As “Histórias Patrocinadas do Facebook”

As “Histórias Patrocinadas do Facebook”
os limites da utilização de dados pessoais no marketing on line.

O Facebook é o serviço de rede social mais utilizada em todo o mundo. Fundado em fevereiro de 2004, é operado pela companhia privada Facebook Inc., com sede na Califórnia (EUA). Em 04 de outubro de 2012, atingiu a marca de 1 bilhão de usuários ativos (1). Em agosto deste ano, a companhia divulgou que uma em cada três pessoas nos Estados Unidos visita o site todos os dias (2). No Brasil, as estatísticas também revelam um crescimento exponencial. No final de 2011, tornou-se a maior rede social do país, ultrapasando o Orkut (3). Em julho deste ano, alcançou a marca de 76 de milhões de cadastrados (4), o que coloca o Brasil como o segundo maior mercado em número de usuários da rede social, só perdendo para os Estados Unidos.

Com números impressionantes como esses, que demonstram o crescimento acentuado através da adesão constante de novos usuários, não seria difícil perceber que o Facebook tornou-se também um grande negócio para quem quer anunciar produtos e marcas. Aliás, o Facebook é um serviço “gratuito” e gera receita somente atravé da venda de publicidade, o que inclui banners no site, anúncios e, mais recentemente, as controvertidas “histórias patrocinadas” (ou, em inglês, sponsored stories).

As “histórias patrocinadas” são um modelo de publicidade diferente criado no interior do site do Facebook. Ao contrário dos anúncios, elas são divulgadas em forma de “destaques” (5) no Feed de notícias (6) e mostram as interações das pessoas. Quando um usuário interage com uma página, aplicativo ou evento, uma “história” é criada para que seus amigos vejam no feed de notícias. Os anunciantes pagam para exibir a atividade dos usuários do site na forma de histórias patrocinadas, em razão da maior probabilidade de influenciar os demais a adquirir o serviço ou comprar o produto patrocinado. Como reconhece o próprio Facebook, “as pessoas são influenciadas pelo gostos e conexões de seus amigos”, daí que incentiva potenciais anunciantes em seu site com o seguinte exemplo: “quando alguém curte sua página, significa que a pessoa está interessada em se conectar com você e isso pode ser interpretado como um endosso de sua marca ou serviço” (7).

Esse novo arquétipo publicitário, possibilitado a partir do modo como as interações ocorrem na “rede social”, tem no entanto gerado bastante polêmica.

Na verdade, a própria arquitetura dos anúncios do Facebook em si já é bastante polêmica. A publicidade online emprega métodos e softwares especializados em mineração de dados (data mining), que permitem aos anunciantes definir o público-alvo de seus anúncios e quais informações ele visualiza. OFacebook coleta e organiza informações sensíveis de seus usuários, como, por exemplo, informações demográficas, geográficas e comportamentais. Além dos dados cadastrais de cada um dos seus usuários (o que inclui nome, endereço de e-mail, data de nascimento, gênero e, em alguns casos, até mesmo o número de telefone), o Facebook também dispõe de informações que eles compartilham no site, quando executam qualquer ação, tais como publicar uma atualização de status, carregar uma foto, marcar alguém em uma foto, comentar uma atividade de um amigo, curtir uma determinada página, adicionar local à publicação ou iniciar um relacionamento. Todas as informações compartilhadas, incluindo os comentários, curtidas, fotos, vídeos, nomes dos usuários e conteúdos dos posts ficam armazenados no banco de dados do Facebook. Além disso, outras informações adicionais são coletadas a partir do computador, telefone celular ou outros dispositivos que os usuários utilizam para se conectar ao site, como, p. ex., endereço de IP, provedor de Internet, localização, o tipo de navegador e páginas visitadas. Assim, o Facebook dispõe de tecnologia informacional para possibilitar a oferta de “anúncios personalizados”, em razão da imensa quantidade de dados pessoais que coleta de seus usuários. Ao contratar um anúncio, o anunciante pode, p. ex., escolher um público formado apenas por mulheres, de determinada idade, que moram em um local específico e que tenham predileção por algum tipo de comida ou vestimenta. Se os usuários do Facebook indicam algum tópico específico de interesse, ao curtirem uma página ou comentarem alguma atividade, incluindo temas ligados à religião, saúde ou preferência política, o anunciante também pode escolher alcançar aqueles que se relacionam com o assunto específico.

Os anúncios publicitários no Facebook são por vezes, vinculados a ações sociais dos usuários. Por exemplo, um anúncio de um restaurante pode ser vinculado à notícia de que um determinado usuário curtiu a página desse restaurante no Facebook. Mas esse tipo de histórico de notícias (de “curtidas”) não é exibido no feed de notícias, e sim vinculado ao anúncio (na parte superior direita do site) (8).

Muito mais complicada é a modalidade de publicidade na forma de “histórias patrocinadas”, pois parece utilizar a imagem das pessoas (usuários do site) de forma indevida. A história patrocinada aparece como publicação no Feed de notícias de uma forma que não é possível distingui-la de uma publicidade comercial.  Utiliza a foto do perfil do usuário, seu nome e uma declaração de que curtiu uma determinada página, associada a uma determinada marca comercial ou produto (9).

Esse tipo de publicidade é bem mais vantajoso para o Facebook e seus anunciantes, pois sua veiculação através do Feed de notícias permite uma maior probabilidade de que a rede de contatos (amigos) do usuário que fez a interação com a página a vejam. Anúncios fixos postados do lado direito da página do site quase nunca são lidos pelos usuários. Ademais, uma declaração de que um amigo gosta de uma determinada marca ou produto é capaz de significar para a pessoa alvo desse tipo de publicidade uma declaração de confiança, uma espécie de chancela ou endosso sobre tal produto ou serviço.

O problema é que utilizar o nome e a imagem das pessoas com fins comerciais sem remunerá-las por isso parece não se coadunar com normas e princípios que dão proteção a atributos da personalidade humana. Além disso, é preciso que se obtenha consentimento expresso antes de tal utilização. No caso do Facebook, é bem verdade que sua nova política de uso de dados pessoais informa que são utilizados em anúncios (incluindo fotos do perfil) (10), mas quando a forma de publicidade intitulada de “história patrocinada” tornou-se funcional, não se renovou aos usuários antigos um pedido expresso de consentimento para tal finalidade. Assim, se um usuário aderiu ao Facebook antes da implantação da função da “história patrocinada”, ele não deu permissão para que seus dados sejam usados em publicidade da forma que hoje é feita. A empresa que opera o Facebook, para poder utilizar a foto do perfil e o nome da pessoa, indicando para toda a sua rede de amigos que ela “curtiu” determinada marca, produto ou fabricante, teria que buscar novo consentimento aos usuários, informando-lhes adequadamente sobre as modificações na sua publicidade. Nada disse parece ter sido feito.

Para piorar, as configurações de privacidade do site só se aplicam aos anúncios sociais, mas não às histórias patrocinadas. Em outras palavras, se um determinado usuário não quiser que seu histórico de notícias (curtidas e outras ações) seja vinculado a anúncios publicitários, pode desativar essa função (11). Já em relação às “histórias patrocinadas” não é possível fazer o mesmo (12).

Ainda levanta preocupações adicionais o fato de que o Facebook tem uma grande quantidade de usuários que são crianças e adolescentes. Como se sabe, o site permite que qualquer pessoa que declare ter pelo menos 13 anos de idade possa se tornar usuário (13). Mas na verdade, o universo de usuários do Facebook parece incorporar crianças até mesmo abaixo desse limite etário. Com base em dados de maio de 2011 do ConsumersReports.org, existiam 7,5 milhões de crianças menores de 13 anos com contas no Facebook, violando os termos de serviço do próprio site (14). Ou seja, um considerável percentual de usuários do Fabebook é formado de crianças e adolescentes, que não podem por si próprios dar autorizações válidas para o uso de seus dados pessoais. Seria necessário que o Facebook tivesse como dar conhecimento aos pais e representantes legais dessa categoria de usuários a respeito de como seus dados são utilizados no site, bem como requisitar diretamente deles (pais) autorização para o uso do nome e imagem de seus filhos em campanhas publicitárias.

Por conta disso tudo, o Facebook foi acionado na Califórnia, numa corte distrital (15). Cinco pessoas ingressaram com a ação em 2011(16), contestando a legalidade da publicidade do site na forma de “histórias patrocinadas”. Antes que o processo tivesse algum pronunciamento judicial sobre o mérito da demanda, as partes resolveram extingui-lo, mediante acordo em que o Facebook se comprometeu a pagar a quantia de 20 milhões de dólares (17). O Facebook também aceitou alterar a sua “Declaração de Direitos e Responsabilidades” (também chamada de “Termos” de uso) (18), para dar aos usuários um panorama mais claro de como seus nomes, fotos e gostos (expressados pela função “curtir”) são utilizados em conexão com as “histórias patrocinadas”. A despeito da contrariedade manifestada por alguns grupos de defesa de direitos de menores, o acordo foi homologado judicialmente.

No dia 29 do mês passado, a Chefe de assuntos ligados à privacidade do Facebook, Erin Egan, publicou uma mensagem no site, comunicando que havia sido feita uma revisão em dois importantes documentos, a “Declaração de Direitos e Responsabilidades” e a “Política de Uso de Dados”. Segundo ela, a revisão foi necessária para dar melhor explicação sobre como o nome do usuário, sua foto do perfil e outros dados pessoais podem ser usados em conexão com anúncios ou conteúdo comercial, para ficar claro que “está dando permissão ao Facebook para esse uso” (19). De logo, surgiram pressões para que o Facebook desista das alterações propostas. Várias entidades de proteção da privacidade, lideradas pela EPIC- Eletronic PrivacyInformation Center, enviaram uma carta (20) à FTC-Federal Trade Comission – que vem a ser uma espécie de agência reguladora do Governo dos EUA encarregada da proteção de direitos dos consumidores. Na carta, os grupos de defesa da privacidade digital argumentam que as alterações irão possibilitar que o Facebook utilize as fotos e nomes de seus usuários para fins comerciais, sem que eles, quando se registraram no site, tivessem dado consentimento para tal. Argumenta-se também que as alterações são especialmente perniciosas para os menores de idade, pois a nova redação do documento propõe a seguinte representação fictícia:

“Se você tiver menos de 18 (dezoito) anos, ou tiver menos de qualquer idade aplicável à maioridade, você declara que pelo menos um de seus pais ou responsáveis legais também concordou com os termos desta seção (e com o uso do seu nome, imagem do perfil, conteúdo e informações) em seu nome.” (21)

Ou seja, através dessa enunciação o Facebook considera ter obtido uma autorização parentalcom o simples ingresso do menor no site, mas se trata de representação meramente fictícia (e despida de valor), pois não se exige um consentimento expresso dos pais. Para utilizar dados de menores, o Facebook teria que ter se utilizado de uma ferramenta para que os pedidos de registro ficassem pendentes, até que os pais manifestassem sua concordância com a política de uso.

O envolvimento de crianças e adolescentes é realmente um elemento fundamental quanto se trata de examinar a legalidade da publicidade na forma de “histórias patrocinadas” do Facebook. Existem muitas páginas e comunidades fazendo publicidade ou apologia do consumo de cigarros e bebidas, e outras com orientação política, ideológica e sexual. Permitir que menores de idade possam não só ter acesso a esse tipo de material informacional, mas também vincular sua imagem a determinados conteúdos inadequados viola as leis e princípios de proteção a esse grupo de pessoas mais vulnerável.

Nos EUA, a FTC já anunciou que vai abrir investigação contra o Facebook (22).No Canadá, também foi proposta uma ação coletiva contra o Facebook, por uma mulher que se sentiu lesada ao ver sua imagem e nome sendo utilizados para fins comerciais sem seu consentimento específico (23). Não é difícil imaginar que essa questão da legalidade das “histórias patrocinadas” do Facebook em breve assome aos tribunais brasileiros.


Notas:

(1) FOLHA DE SÃO PAULO. “Facebook mostra o raio-x de 1 bilhão de usuários“, Folha de São Paulo, 04 de outubro de 2012. Página visitada em 04 de outubro de 2012.

(2) Facebook divulga número de usuários diários dos EUA e Reino Unido http://tecnologia.terra.com.br/facebook-divulga-numero-de-usuarios-diarios-dos-eua-e-reino-unido,625c7a5568870410VgnCLD2000000dc6eb0aRCRD.html

(3) Facebook passa Orkut e vira maior rede social do Brasil, diz pesquisa

(4) Facebook alcança marca de 76 milhões de usuários no Brasil http://veja.abril.com.br/noticia/vida-digital/facebook-alcanca-marca-de-76-milhoes-de-usuarios-no-brasil

(5) Segundo notícia do site Terra, o Facebook começou a liberar publicidade no feed de notícias a partir de abril de 2012, na forma de “destaques” – Facebook libera publicidade nos feeds e chama de “destaques”. tecnologia.terra.com.br. Página visitada em 19 de abril de 2012.

(6) O Feed de notícias é a coluna central da página inicial do usuário do Facebook. É uma lista em constante atualização de publicações das outras pessoas e Páginas que um determinado usuário segue no Facebook. As publicações no Feed de notícias incluem atualizações de status, fotos, vídeos, links, atividade de aplicativos e opções Curtir.

(7) Informações contidas na “Central de Ajuda” do site do Facebook, acessível em: https://www.facebook.com/help/294671953976994

(8) Ver foto com anúncio em destaque, indicando onde é posicionado no site do Facebook:  http://fotos.sapo.pt/sitiocomvista/fotos/?uid=Hn8g45hYy4EfGdoTdRUo

(9) Veja aqui foto que realça a diferença de concepção entre o anúncio e a “história patrocinada”, destacando que esta aparece no centro (Feed de notícias) do site, enquanto aquele se situa no lado direito: http://www.nuvemlab.com.br/blog/historias-patrocinadas-no-facebook/

(10) Na parte que presta esclarecimentos sobre “Como funcionam os anúncios e as Histórias patrocinadas” – https://www.facebook.com/about/privacy/advertising

(11) Para tanto, basta utilizar a configuração de Editar anúncios sociais.

(12) Isso está expressamente dito, na política de uso de dados pessoais do Facebook, na parte que informa sobre “Como funcionam os anúncios e as Histórias patrocinadas”, da seguinte maneira: “Sua configuração Mostrar minhas ações sociais em Anúncios do Facebook controla somente os anúncios com contexto social. Ela não controla Histórias patrocinadas, anúncios nem informações sobre os serviços e recursos do Facebook ou outros conteúdos do Facebook”.

(13) Ver “Ferramentas para Pais e Educadores” – https://www.facebook.com/help/parents

(14) Five million Facebook users are 10 or younger“, ConsumerReports.org, 10 de maio de 2011.

(15) U.S. District Court, Northern District of California.

(16) Fraley, et al. v. Facebook, Inc., et al., Case No. CV-11-01726 RS.

(17) Ver notícia em: http://www.pcworld.com/article/2047520/judge-approves-20-million-facebook-fund-to-settle-advertising-suit.html

(18) Ver cópia da Declaração de Direitos e Responsabilidade do Facebook em:https://www.facebook.com/legal/terms

(19) Para ver o inteiro teor do texto divulgado a respeito da revisão das políticas de uso de dados pessoais e declaração de direitos e responsabilidade, acesse: https://www.facebook.com/notes/facebook-site-governance/atualiza%C3%A7%C3%B5es-propostas-para-os-documentos-de-governan%C3%A7a/10153197317185301

(20) Para ver o texto da carta, acesse: http://epic.org/privacy/ftc/Privacy-Grps-FTC-tr-9-13.pdf

(21) No original, eminglês: “If you are under the age of eighteen (18), or under any other applicable age of majority, you represent that at least one of your parents or legal guardians has also agreed to the terms of this section (and the use of your name, profile picture, content, and information) on your behalf.”

(22) Ver notícia no site do Jornal New York Times, de 11.09.13, acessível em: http://www.nytimes.com/2013/09/12/technology/personaltech/ftc-looking-into-facebook-privacy-policy.html?_r=1&

(23) http://www.cbc.ca/news/canada/british-columbia/b-c-woman-sues-facebook-for-using-her-photo-1.1192457

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