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01Ene/15

Da ação de revisão de contrato bancário

DA AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATO BANCÁRIO – Algumas questões processuais

Sumário:

  1. Considerações iniciais.
  2. Impossibilidade da cumulação de pedidos de declaração de nulidade de cláusulas com o de acertamento econômico do contrato.
  3. Obrigatoriedade de juntada do contrato com a inicial e indicação dos fundamentos de nulidade das cláusulas.
  4. Incabível tutela antecipada (ou qualquer forma de provimento liminar no bojo da ação revisional) para compelir o banco a juntar contrato.
  5. O simples ajuizamento de ação revisional não autoriza a retirada do nome do autor de banco de dados de proteção ao crédito.
  6. Ação de revisão não impede liminar na busca e apreensão.
  7. Valor da causa na ação revisional.
  8. Impossibilidade de revisão de contratos anteriores no âmbito dos embargos do devedor.
  9. Ajuizamento de ação revisional não suspende execução.
  10. Conexão da ação de revisão de contrato bancário com os embargos à execução.
  11. Conexão entre execução, ajuizada perante a Justiça Comum, e ação ordinária de revisão do contrato habitacional, junto à Justiça Federal.
  12. 12. Conclusões.

1. Considerações iniciais

As ações de revisão de contratos bancários tornaram-se cada vez mais corriqueiras nas varas cíveis da Justiça comum, consumindo boa parte do trabalho jurisdicional nessas unidades judiciárias. As demandas entre bancos e seus clientes representam um percentual elevado das causas que são processadas perante as varas cíveis, mas, dentre as ações do gênero, certamente as de revisão de contrato bancário são as que têm emergido em maior número.

O problema é que nesse tipo de ação os autores passaram a requerer o acertamento econômico dos contratos ainda durante o processo de conhecimento, o que exigia quase sempre a realização de perícia contábil. A perícia, que é uma prova excepcional e de maior complexidade, estava se tornando regra nesses processos, encompridando o procedimento judicial mais do que o necessário e tornando demorado o resultado final. Além disso, a realização de perícia para se chegar ao quantum devido na relação financeira entre as partes, quando feita pelo Juiz monocrático ainda durante o processo de conhecimento, se mostrou altamente contra-producente, pois não deve ser realizada antes de haver uma definição final sobre as cláusulas e índices válidos do contrato, o que somente se estabelece depois do julgamento da apelação e, em muitos casos, depois de julgados recursos enviados a tribunais superiores. O que se verificou foi que era anti-econômico o Juiz de primeiro grau determinar a realização de perícia, segundo seus próprios critérios, antes de uma definição dos tribunais sobre os parâmetros do cálculo da dívida.  A perícia, com a finalidade de se apurar o valor devido, somente deve ser realizada em eventual fase de execução, quando definidos em última instância no processo de conhecimento (na ação ordinária de revisão) os parâmetros para o cálculo. Se o Juiz determina a realização de uma perícia e confirma na sentença o valor nela encontrado, ele não terá qualquer valia se os parâmetros para realização do cálculo não forem confirmados no tribunal. Havendo qualquer reforma da decisão, acerca das cláusulas e condições que determinaram o cálculo, ainda que em parte não substancial, perde-se o trabalho contábil realizado, sendo necessária nova perícia quando os autos retornarem para execução. Além disso, a prática demonstrou que, em muitos casos, nem sequer é necessária a realização de perícia prévia, pois, após definidos os parâmetros do cálculo em decisão final (no processo de conhecimento), o credor, por ocasião da  apresentação do cálculo aritmético que elabora junto com a inicial de sua execução, em forma de planilha contendo memória discriminada e atualizada, observa e toma por base os parâmetros já então definidos na sentença do processo de conhecimento.

Para evitar, portanto, a realização desnecessária de perícia ainda durante o processo de conhecimento, um grupo de juízes das varas cíveis do Recife passou a firmar o entendimento de que, nas iniciais de ações de revisão de contrato bancário, o autor não pode cumular pedidos de declaração de nulidade de cláusulas com o de acertamento do contrato. Tal posicionamento, embora fundamentado na regra que afasta a cumulação de pedidos quando ocorra incompatibilidade procedimental (art. 292, par. 1o., I e III), atendeu essencialmente a uma questão de política judiciária, pois a perícia, que é uma prova complexa e demorada, estava se tornando regra nas varas cíveis, nas mais das vezes sendo realizadas quando não havia necessidade ou em momento inoportuno da fase processual, comprometendo o regular funcionamento dessas varas em virtude do número exagerado de ações de revisão de contratos bancários que costumam receber.

Outro problema que também estava ocorrendo nas varas cíveis é que certos advogados simplesmente insistiam em repetir teses jurídicas, distribuindo petições de ações de revisão de contrato bancário sem sequer juntar o instrumento contratual. Essa prática também começou a ser combatida por alguns juízes de varas cíveis de Recife – dentre os quais me incluo -, que passaram a exigir, como condição de procedibilidade para esse tipo de ação, a juntada prévia do instrumento do contrato que se pretende revisar, com a indicação minuciosa das cláusulas cuja nulidade se requer. Os advogados, como se disse, estavam se limitando a reproduzir teses jurídicas, sem apontar, no caso concreto, a fonte contratual da abusividade ou ilegalidade justificadora da revisão ou diminuição dos encargos financeiros contratados. A jurisprudência que se consolidou em seguida exige como condição, para que o Juiz possa, no provimento declaratório sentencial, nulificar cláusulas contratuais com fundamento na abusividade, que “a petição da ação de revisão deve ser instruída com cópia do contrato bancário, devendo o autor apontar uma a uma as cláusulas que entende abusivas, juntando, quando for o caso, demonstrativo da evolução da dívida e da efetiva ocorrência de práticas ilegais, sob pena de ser indeferida”[1].

Essas são apenas algumas teses cujos fundamentos são expostos no presente artigo, que, entretanto, não se limita somente a essas já referidas, pois aproveitamos o tema das questões processuais em torno das ações de revisão de contratos bancários para dissecar muitos outros pontos, a exemplo da possibilidade de manutenção do nome do autor em cadastros de restrição ao crédito, do não impedimento de liminar em ação de busca e apreensão em face da distribuição da ação revisional, do valor da causa em ação de revisão de contrato bancário, da sua conexão com ação de execução, só para citar alguns.

2. Impossibilidade da cumulação de pedidos de declaração de nulidade de cláusulas com o de acertamento econômico do contrato

Como já mencionado antes, na introdução a este artigo, o Juiz não deve conhecer, nas ações de revisão de contrato bancário, de pedido de repetição de indébito ou qualquer outro que implique em acertamento econômico do contrato, cumulado com o pedido de declaração de nulidade de cláusulas contratuais.

Com efeito, o pedido de repetição de indébito pressupõe uma definição quanto à existência (ou não) de saldo credor ou devedor, uma vez expurgados os encargos indevidos. A definição do saldo final do débito/crédito do autor, expurgados que sejam os encargos contratuais abusivos, importa na necessidade da realização de diversos outros atos processuais – inclusive a realização de perícia – não indispensáveis ao exame do pedido simplesmente declaratório. A complexidade e diversidade dos atos processuais necessários para conhecer do pedido de liquidação do contrato, na sua expressão econômica, recomendam a sua não cumulação com outros pedidos contidos na ação de revisão de contrato bancário. Sempre que a cumulação de pedidos possa ensejar tumulto, delongas desnecessárias ou desordem na realização de atos processuais a cumulação de pedidos deve ser evitada, em respeito ao princípio da economia processual.

Julgando caso sobre a cumulação desses pedidos, o Dr. Fábio Eugênio de Oliveira, Juiz da 28a. Vara Cível, alertou para o fato de que não é recomendável, no procedimento ordinário, a admissibilidade de pedido de acertamento econômico de contrato bancário, pois a liquidação de contrato tem verdadeira natureza de prestação de contas, ação de procedimento especial. Veja-se o que disse o referido Juiz a respeito da inviabilidade da cumulação do pedido de acertamento econômico na mesma ação em que se pede a revisão e declaração de nulidade de cláusulas de contrato bancário:

“Conhecer esse pedido, que passa pela análise dos lançamentos diários (durante os anos de vigência dos contratos impugnados), eternizará este processo. Ora, o acertamento econômico dos contratos bancários, com a determinação do quantum debeatur ou, eventualmente, o saldo credor, desafia ação de prestação de contas. Essa ação, frente ao seu procedimento especial e adequado, permitirá, sem maiores atropelos, liquidar os contratos em discussão, como quer a autora.

De observar, com ênfase, que a pretensão da autora, com esse pedido, assume ante as circunstâncias do crédito ser rotativo, caráter de prestação de contas, ao menos indireta. Impossível a cumulação da ação declaratória com a de prestação de contas face à diversidade de ritos. A adoção do rito ordinário para ambos os pedidos tumultuará o iter procedimental.

Nesse sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

“CUMULAÇÃO DE PEDIDOS. NULIDADE DE CONTRATO. INEXIBILIDADE DE TÍTULO DE CRÉDITO E PRESTAÇÃO DE CONTAS. INADMISSIBILIDADE EM RELAÇÃO A ESTA ÚLTIMA.

De feições complexas e comportando duas fases distintas, inadmissível é a cumulação da ação de prestação de contas com as ações de nulidade de contratos e declaratória de inexigibilidade de títulos, por ensejar tumulto e desordem na realização dos atos processuais. Precedentes da Quarta Turma (REsp 190.892-SP, rel. Min. Barros Monteiro).

PROCESSO CIVIL. CUMULAÇÃO DE AÇÕES DECLARATÓRIA E DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. INADMISSIBILIDADE.

I- O instituto de cumulação de ações, que no sistema processual vigente dispensa a ocorrência de conexão, funda-se no princípio da economia e tem o indisfarçável propósito de impedir a proliferação de processos.

II- Inadmite-se a cumulação simples se há incompatibilidade da via procedimental, a ensejar tumulto e desordem na realização dos atos (REsp n. 2.267-Rio Grande do Sul, rel. Min. Sálvio de Figueiredo)”.

O mesmo magistrado ainda ressalta a impossibilidade de cumulação de pedidos argumentando que o pedido de declaração de nulidade das cláusulas deve preceder o de acertamento econômico do contrato:

“A impossibilidade da cumulação pretendida é, ainda, imperativo de ordem lógica. A definição do saldo devedor ou credor pressupõe, como antecedente natural, a declaração das nulidades apontadas. A falta de certeza quanto à validade ou não das cláusulas contratuais impede que, num mesmo processo, ocorra o acertamento econômico dos contratos”.

Realmente, a definição do quantum debeatur deve ficar para fase pré-executória, de liquidação de sentença ou mesmo com a apresentação do cálculo aritmético que o exeqüente do crédito eventual deverá elaborar junto com a inicial de sua execução, em forma de planilha contendo memória discriminada e atualizada do cálculo, que deverá observar e tomar por base os parâmetros já definidos na sentença do processo de conhecimento.

 

3. Obrigatoriedade de juntada do contrato com a inicial e indicação dos fundamentos de nulidade das cláusulas.

Como também já se mencionou anteriormente, não é difícil ocorrer de o autor pedir a revisão de contrato bancário de financiamento, ao fundamento de abusos e irregularidades cometidas pelo banco, como, por exemplo, cobrança de juros capitalizados (anatocismo), a exigência de correção monetária de forma cumulada com a comissão de permanência, entre outras, tudo isso sem apresentação do contrato cujas cláusulas se pretende revisar, geralmente com a alegação de que não teve acesso ao instrumento contratual em face da recusa de apresentação por parte da instituição bancária demandada.

Nesses casos, a ação peca pela inépcia da inicial, pois lhe falta causa de pedir. Com efeito, se o próprio autor confessa que não teve acesso aos contratos e nem sequer instrui a ação com qualquer extrato bancário que possa, por meio de uma apresentação descritiva da evolução da relação contratual, isto é, por meio da apresentação da dinâmica dos créditos e débitos, comprovar a existência das ilegalidades apontadas, ele não tem causa de pedir.

Ora, sem ter sequer conhecimento do conteúdo do contrato que imputa eivado de ilegalidades, não pode requerer prestação jurisdicional voltada à revisão desses mesmos contratos. Somente conhecendo o teor do contrato é que a parte pode pedir sua revisão ou anulação de algumas de suas cláusulas. Diante do exame das cláusulas do contrato, é que o autor pode afirmar se há alguma contrariando a Constituição (e as leis), no que concerne à fixação dos juros e outros encargos financeiros. Por outro lado, se o correntista está presumindo (ou mesmo sentindo) o efeito de práticas bancárias abusivas, somente por meio do exame da evolução da dinâmica (créditos e débitos) efetivamente registrada nos extratos de conta-corrente, é que elas podem ser constatadas, abrindo-se o caminho, assim, para que venha a juízo tentar coibi-las.

Deixar-se que o contratante venha a juízo pedir a revisão de contrato cujo conteúdo sequer conhece implica em admitir ação judicial sem causa de pedir, como se disse antes. A causa de pedir, como se sabe, constituiu o fundamento fático, o ato concreto ocorrido no mundo dos fatos que, atingindo a órbita de direitos do autor e sendo contrário ao Direito, o legitima a vir a juízo reclamar o restabelecimento à situação original ou alguma forma de reparação. Se a ação não tem (como causa de pedir) um fato concreto e certo, pois o autor apenas presume a ocorrência de ilegalidades, o que fica claro é que ele, em sua petição inicial, simplesmente reproduz teses jurídicas que reiteradamente têm sido discutidas nos pretórios, como, p. ex., a questão da cobrança de juros capitalizados (anatocismo) e cumulação de correção monetária com taxa de permanência. Não sabe, no entanto, se no seu contrato em particular e na sua relação com o banco essas práticas foram efetivamente implementadas e qual a repercussão delas em termos de eventual acertamento do contrato.

Examinando essa questão (no Proc. n. 001.2003.057442-1), o Dr. Fábio Eugênio de Oliveira, Juiz da 28a. Vara Cível da Capital, assentou na ementa de sua decisão:

“AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA-CORRENTE. CORRENTISTA QUE DESCONHECE O CONTEÚDO DO CONTRATO. INÉPCIA DA INICAL À MÍNGUA DE CAUSA DE PEDIR SÉRIA E CONSISTENTE.

Se o correntista desconhece o que contratou, porque não teve acesso ao instrumento da avenca, a demanda que tem como principal causa de pedir a nulidade de disposições contratuais apresenta-se como lide temerária ou, no mínimo, imprudente”.

A ementa acima transcrita serve de precedente, levando à extinção de qualquer feito em situação idêntica por inépcia da inicial, em razão da inexistência de causa de pedir. Admitir o prosseguimento de ação eivada de tal vício, sem fundamento fático, é o mesmo que permitir o processamento uma lide temerária ou, para utilizar as palavras do Dr. Fábio Eugênio, é o mesmo que permitir ao autor “litigar no escuro”. Por oportuno, transcrevo trecho da decisão do referido magistrado quando reverbera contra esse tipo de lide temerária:

“Se o correntista desconhece o que contratou, porque não teve acesso ao instrumento da avença, a demanda que tem como principal causa de pedir a nulidade de disposições contratuais apresenta-se como lide temerária ou, no mínimo, imprudente. De fato, não se compreende como a autora pode afirmar que há cláusula contratual transgredindo o ordenamento jurídico no que concerne à fixação de juros, a que possibilita a prática do anatocismo, a que estabelece multa acima do legalmente permitido, a que prevê a incidência de correção monetária cumulada com comissão de permanência, se não tem ciência do Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente. Litiga “no escuro”, firme na esperança do Judiciário encontrar qualquer nulidade nos critérios adotados para a formação e evolução de seu débito. Conhecendo o contrato, a parte poderá indicar seriamente as disposições contratuais cuja revisão ou anulação pretende”.

Levando em consideração essas circunstâncias, o Fórum dos Juízes das Varas Cíveis de Pernambuco emitiu o Enunciado n. 34, com a seguinte redação:

“A petição da ação de revisão deve ser instruída com cópia do contrato bancário, devendo o autor apontar uma a uma as cláusulas que entende abusivas, juntando, quando for o caso, demonstrativo da evolução da dívida e da efetiva ocorrência de práticas ilegais, sob pena de ser indeferida” (maioria).

4. Incabível tutela antecipada (ou qualquer forma de provimento liminar no bojo da ação revisional) para compelir o banco a juntar contrato

Não é incomum de o autor de uma ação de revisão de contrato bancário, sob a alegação de que não teve acesso ao instrumento contratual em face da recusa de apresentação por parte da instituição bancária demandada, formular pedido de tutela antecipada parcial a fim de compelir esta última a trazer aos autos o referido instrumento.

Esse tipo de pedido, no entanto, não pode ser atendido no bojo de uma ação revisional. Tal providência há de ser requerida em processo próprio – de natureza cautelar, preparatório à ação de revisão. Não seria o caso sequer de se deferir como medida cautelar incidental o pedido de tutela antecipada – não é incomum de o autor requerer a esse título que seja ordenado ao banco a apresentação dos contratos, invocando o par. 7o. do art. 273, do CPC. É certo que tal dispositivo (novidade incluída pela Lei 10.444/02) prevê a fungibilidade entre esses dois institutos, até porque nem sempre é fácil distinguir entre tutela antecipada e medida cautelar. Mas essa adaptação não é aplicável a todos os casos, estabelecendo, o citado dispositivo, a condição de que “poderá o Juiz” adotá-la “quando presentes os respectivos pressupostos”. A regra da fungibilidade, portanto, fica submetida à avaliação do magistrado das condições para adotá-la. Não se trata de um direito processual subjetivo e automático da parte (autora). No caso de ação revisional de contrato bancário, em especial, não é possível o deferimento do pedido de apresentação de documentos como providência de natureza cautelar incidental, porque isso implicaria no comprometimento da relação processual e, por conseqüência, da própria prestação jurisdicional. Explico: é que o pedido do autor, no que tange à questão de fundo, já foi formulado com suporte na exposição de teses jurídicas que desenvolveu ao longo de sua peça inicial. Com a chegada de novos documentos, cujo teor ainda não se conhece, ele teria que ajustar o seu pedido às novas provas produzidas no processo, desmantelando toda a ordem processual, o que, evidentemente, não pode ser admitido. Com efeito, o autor teria que, a partir daí, ajustar o seu pedido a uma efetiva e concreta causa de pedir, consistente em eventuais abusos efetivamente comprovados nos novos documentos, não somente modificando teses jurídicas e incluindo outras, como também possivelmente modificando o próprio pedido.

Evidentemente, não há como permitir que o processo se desvirtue a esse ponto. Aquele que pretende a revisão de um contrato bancário, e não tendo acesso a ele, tem que previamente se valer de uma providência de natureza cautelar, através da qual se lhe confira o conhecimento antes negado ao instrumento e outros documentos e, assim, em face de fatos jurídicos efetivamente ocorridos (causa de pedir), formular sua pretensão em juízo. O que não pode é litigar com base em eventualidades.

Confirmando esse entendimento, o Fórum dos Juízes das Varas Cíveis de Pernambuco publicou o Enunciado n. 35, com o seguinte texto:

“Não cabe tutela antecipada, em ação revisional, para forçar o banco a apresentar o contrato, pois a juntada desse documento com a inicial é pressuposto da ação e dele depende a existência da causa de pedir e a própria formulação do pedido” (maioria).

5. O simples ajuizamento de ação revisional não autoriza a retirada do nome do autor de banco de dados de proteção ao crédito

Geralmente, o autor de uma ação de revisão de contrato de financiamento bancário requer o deferimento de liminar, para suspender a inscrição do seu nome em banco de dados e sistema de proteção ao crédito. O argumento costuma ser o de que a permanência da inscrição pode lhe trazer prejuízos irreparáveis, decorrentes da restrição do crédito.

Muitos juízes costumam deferir automaticamente esse tipo de proteção judicial, em face de antiga jurisprudência, inclusive do STJ, apontando a abusividade da restrição cadastral enquanto a dívida está pendente de discussão em juízo. Reiteradas são as decisões judiciais que seguem esse entendimento, por vislumbrar como justa e jurídica a prevenção do cometimento de prejuízo creditício a devedores que discutem o montante da dívida em juízo.

Segundo a antiga jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, “constitui constrangimento e ameaça, vedados pela lei nº 8.078/90, o registro do nome do consumidor em cadastro de proteção ao crédito, quando o montante da dívida é ainda objeto de discussão em juízo”. Com base nesse fundamento nuclear, a Justiça vem concedendo liminares, em processos cautelares ou mesmo em forma de antecipação de tutela, ajuntando a consideração de que “inexiste perigo de dano no fato de impedir-se que o credor, a fim de resguardar seu crédito, inscreva o nome do devedor no SPC ou SERASA”, mas o contrário não se aplica ao devedor, pois “há risco de dano irreparável (ou de difícil reparação), tendo em vista as repercussões provocadas por eventual restrição cadastral” (Medida Cautelar nº 2932 – 27.07.00)

Mesmo antes de haver uma modificação dessa jurisprudência, já defendíamos que era preciso buscar a sua exata compreensão e sentido prático, sob pena de se favorecer devedores de má-fé e outros que buscam se utilizar do processo para procrastinar o adimplemento de obrigações validamente assumidas. Tem sobrado casos de pedidos de liminares para impedir ou retirar restrição cadastral, sem o oferecimento de garantias mínimas para o pagamento da dívida.

Assim, passamos a afirmar que a jurisprudência do STJ só devia ser adotada nos casos em que a dívida estivesse garantida, seja no processo de conhecimento ou cautelar através de depósito da quantia, seja no processo de execução por meio da penhora de bens do devedor. O que não deve ser admitido é a concessão de liminar para retirar o registro no sistema de proteção ao crédito, ao só argumento de que o simples ajuizamento de uma ação já torna a dívida discutível e, por isso, não deve permanecer a restrição até que haja um pronunciamento judicial definitivo (quanto à sua existência e extensão). Se somente isso for suficiente, a simples distribuição de uma petição desnuda de argumentos e elementos justificaria o cancelamento, pois, a partir do ingresso em juízo, a dívida já teria se tornado litigiosa. É preciso, pois, que o pagamento da dívida esteja garantido, demonstrando a boa-fé do devedor e sua real intenção quanto ao cumprimento da prestação, para que se lhe possa deferir o benefício processual da retirada provisória do seu nome de bancos de dados de consumo. De outra maneira, tal benefício se transformaria em uma moratória da dívida, em uma espécie de concordata – benefício só concedido a comerciantes que satisfazem uma série de requisitos – às avessas, pois, contando com a reconhecida morosidade da máquina judiciária, que pode demorar anos para oferecer um pronunciamento definitivo (inclusive com a possibilidade de a causa ascender às instâncias extraordinárias), na prática o resultado seria uma suspensão do prazo para pagamento da dívida, até quando (e se), a final, for confirmado veredicto favorável ao credor.

Se o devedor argumenta com a cobrança excessiva, além do montante devido, é imprescindível que forneça elementos de convicção ao Juiz. Mesmo no processo cautelar ou na fase preliminar de antecipação da tutela no processo de conhecimento, o Juiz não se exime de fazer uma cognição prévia, embora superficial do Direito em litígio. Conquanto o campo de instrução no momento de apreciar uma liminar seja restrito, o magistrado concentra seu objetivo na tarefa de examinar a viabilidade jurídica da tese e a probabilidade de ocorrência dos fatos. Por isso, o devedor tem que supri-lo de alguma maneira com indicativos da plausibilidade do direito invocado, o que geralmente se faz por meio da entrega de uma planilha ou memória discriminada de cálculo, contendo a evolução da dívida, os critérios de correção e índices adotados, de modo a chegar ao valor devido. É com base nessa planilha ou esboço de cálculo, demonstrativa da tese jurídica, que o devedor tem que requerer o depósito da dívida e o correspondente benefício da suspensão da inscrição no banco de dados.

Sem oferecer esses elementos, o que prevalece é a presunção de legitimidade da dívida no montante tal qual está sendo cobrada pelo credor, pois decorrente de contrato escrito. A simples alegação de que o contrato envolve cobrança de juros e taxas ilegais, sem o respectivo suporte indicativo da cobrança ilegal, não é o bastante para que o magistrado desconsidere a segurança jurídica de um contrato escrito, o qual, em fase de cognição superficial, é que tem de prevalecer.

Se o autor de uma ação revisional reconhece estar inadimplente, alegando porém que a dívida foi inflada por meio da cobrança de juros e taxas ilegais, mas nem sequer a parcela não controversa, o montante originário da dívida, pede para depositar, carece da boa-fé própria dos devedores que anseiam por honrar seus compromissos em bases justas. Nessas circunstâncias, não se lhe pode deferir o benefício pretendido, devendo permanecer o registro cadastral, legítimo direito do credor.

Nesse sentido é o Enunciado n. 20 do Fórum dos Juízes das Varas Cíveis de Pernambuco, verbis:

“A retirada do nome do devedor de banco de dados pressupõe que este deposite a parcela incontroversa da dívida, não sendo suficiente o mero ajuizamento de ação revisional” (unânime).

A jurisprudência atual do STJ também é no sentido de que a inscrição do nome do devedor nos cadastros, quando a dívida está sendo discutida judicialmente, só deve ser impedida se demonstrado o efetivo reflexo da ação revisional sobre o valor do débito – e desde que seja depositada ou prestada caução sobre o valor a respeito do qual não há controvérsia. Esse entendimento ficou registrado recentemente pela sua Quarta Turma, em processo relatado pelo Ministro Barros Monteiro. No caso julgado, a Turma ressaltou que o impedimento do registro deve ser aplicado com cautela, considerando-se as especificidades de cada caso. Para que seja impedida a inscrição do nome do autor de ação de revisão em bancos de dados, é imprescindível que ele demonstre o efetivo reflexo da ação revisional sobre o valor do débito e deposite ou preste caução sobre o valor incontroverso. O Ministro Barros Monteiro ainda destacou que, para impedir a negativação do nome do autor nos serviços de restrição ao crédito, é necessária a presença concomitante de três elementos:

a) que haja ação proposta pelo devedor contestando a existência integral ou parcial do débito;

b) que haja efetiva demonstração de que a contestação da cobrança indevida se funda na aparência do bom direito e em jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça;

c) que, sendo a contestação apenas de parte do débito, deposite, ou preste caução idônea, ao prudente arbítrio do magistrado, o valor referente à parte tida por incontroversa (em notícias no site do STJ de 02.01.06).

6. Ação de revisão não impede liminar na busca e apreensão

Também é muito comum de o autor requerer tutela antecipada com o objetivo de ser mantido na posse de bens dados em garantia fiduciária, até o julgamento definitivo da ação revisional.

Como regra, argumenta que, com a discussão judicial do débito através da ação revisional, resta ilíquida sua obrigação e descaracterizada a mora, o que justifica o deferimento de tal provimento, para manter-lhe na posse do bem alienado fiduciariamente até que sobrevenha decisão de mérito na ação. Esse argumento é em geral complementado por outro, no sentido de que a permanência na posse do bem não traz nenhum prejuízo para o banco réu, pois continua a existir a garantia do contrato, ficando ele (autor) como fiel depositário da coisa, com o dever de zelar por ela e impedido de vendê-la a terceiros. Já uma decisão em contrário, isto é, que permita a apreensão e transferência da posse para o banco, confere a ele o direito de vender o bem a terceiros, independentemente de leilão ou qualquer outra medida judicial, e, mesmo que a decisão final da causa lhe seja desfavorável (ao banco), não terá (ele, autor) como reverter essa situação.

Acrescenta-se, ainda como argumento para a manutenção da posse, que o bem objeto do contrato constitui sua principal fonte de renda (do autor) e que depende dele para o prosseguimento de suas atividades empresariais.

Existem, é certo, uma série de arestos que no sentido de que o ajuizamento da ação revisional retira o caráter de liquidez da dívida, descaracterizando a mora do devedor e, por conseqüência, impedindo a utilização (pelo credor) da busca e apreensão. Destaco, dentre eles, um do Tribunal de Santa Catarina, de seguinte teor:

“Busca e apreensão. Cobrança excessiva de encargos. Mora não caracterizada. Alienação fiduciária. Constituição irregular. Extinção do processo principal.

A cobrança abusiva de encargos pelo credor-fiduciário, dificultando sobremaneira o pagamento da dívida, retira do devedor-fiduciante a culpa pelo inadimplemento, descaracterizando a mora debitoris, sem a qual não se admite ação de busca a apreensão prevista no Decreto-Lei n. 911/69.

A alienação fiduciária não pode servir de garantia a contrato ilíquido e incerto, pois do contrário sujeitaria o devedor-fiduciante à perda do bem alienado em decorrência de cálculos elaborados unilateralmente pela parte adversa”

(AI n. 01.012117-4, rel. Des. Pedro Manoel Abreu).

Essa orientação jurisprudencial, de que a discussão dos encargos contratuais em juízo reflete de modo a tornar a dívida incerta, repercutiu no próprio STJ, de onde emanaram algumas decisões no mesmo sentido, como se observa:

“A cobrança de acréscimos indevidos importa na descaracterização da mora, de forma a tornar inadmissível a busca e apreensão do bem (2ª Seção, EREsp n. 163.884/RS, Rel. p/ acórdão Min. Ruy Rosado de Aguiar, por maioria, DJU de 24.09.2001). Carência da ação. Recurso especial conhecido e parcialmente provido (STJ-4a. Turma, REsp 493379-RS, rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 19.02.04, DJ 22.03.04).

Entretanto, essa posição sofre contestações naquela Corte superior, como revelam os acórdãos abaixo ementados:

“Ação de busca e apreensão. Ação declaratória. Suspensão do processo de busca e apreensão. Precedente da Corte.

1. Precedente da Corte assentou que o “simples ajuizamento de uma ordinária de revisão não tem o condão de impedir o curso normal da ação de busca e apreensão, com a liminar correspondente, certo que houve a necessária constituição em mora” (REsp nº 192.978/RS, da minha relatoria, DJ de 09/8/99).

2. Recurso especial conhecido e provido (STJ-3a. Turma, REsp 402580-MS, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j.10.09.02, DJ 04.11.02). No mesmo sentido:  Ação de busca e apreensão. Mora do devedor. Liminar. Ações revisional e de sustação de protesto anteriormente ajuizadas. Embargos de declaração. Prequestionamento. Precedente da Corte. (…)

3. O simples ajuizamento de uma ordinária de revisão não tem o condão de impedir o curso normal da ação de busca e apreensão, com a liminar correspondente, certo que houve a necessária constituição em mora, como assentado em precedente da Corte.

4. Recurso especial conhecido e provido (STJ-3a. Turma, REsp 192978-RS, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 24.06.99, DJ 09.08.99).

O Tribunal de Justiça de Pernambuco se pronunciou recentemente sobre essa matéria, assentando em ementa:

“DIREITO PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO DE INSTRUMENTO – PEDIDO DE SUSPENSÃO DE AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO EM FACE DA INTERPOSIÇÃO DE AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO – IMPOSSIBI6LIDADE – PROCEDIMENTO EXECUTIVO LATO SENSU DO DECRETO LEI 911/66, QUE NÃO PODE SER SOBRESTADO PELA MERA PROPOSITURA DE AÇÃO ORDINÁRIA – POSSIBILIDADE DE OCORRÊNCIA DO PERIGO DA DEMORA INVERSO – AGRAVO IMPROVIDO À UNANIMIDADE DE VOTOS (TJPE-4a. Câmara Cível, Proc. n. 0086698-8, Agravo de Instrumento, rel. Des. Eloy D´Almeida Lins, ac. un., j. 09.06.04).

Essa última corrente, realmente, é a que expressa a melhor solução ao problema da concomitância da ação de revisão do contrato com a ação de busca e apreensão. Ao contrário de perder a liquidez, a dívida representada pela obrigação assumida contratualmente permanece válida enquanto não reconhecida, no procedimento mais largo, de cognição plena (a ação ordinária de revisão contratual), a abusividade da cobrança das parcelas financiadas e fixado exatamente o quantum que deve ser diminuído do valor exigido. O “fumus boni juris” permanece com o credor fiduciante, que tem a seu favor um contrato devidamente formalizado, podendo se utilizar dos instrumentos legais para reaver o bem dado em garantia ao pagamento da dívida. Num momento inicial, o que prevalece é a presunção de legitimidade da dívida no montante tal qual está sendo cobrada pelo credor, pois decorrente de contrato escrito. A simples alegação de que o contrato envolve cobrança de juros e taxas ilegais não é o bastante para que o magistrado desconsidere a segurança jurídica de um contrato escrito, o qual, em fase de cognição superficial, é que tem de prevalecer.

Se, na ação ordinária, ficar reconhecido que o autor pagou mais do que devia, a própria sentença pode determinar a restituição ou, se de conteúdo meramente declaratório, pode ser buscada em outra ação a repetição do indébito. Além disso, o direito do autor de permanência na posse do veículo financiado não fica irremediavelmente prejudicado ante a simples possibilidade da ameaça de promoção da ação de busca e apreensão. Quando esta for de fato promovida, pode realizar a purga da mora das prestações em atraso, desde que o faça obedecendo aos valores fixados no contrato. Eventuais abusos e ilegalidades na cobrança de juros e outras taxas contratuais podem ser reprimidos pelo Juiz no próprio procedimento da busca e apreensão, sabendo-se que ele tem o poder de, ao autorizar a purga da mora, ajustar o contrato aos termos da lei, definindo os parâmetros para elaboração do cálculo[2]. Com efeito, na ação de busca e apreensão (Dec. Lei nº 911/69), o juiz, ao autorizar a purgação da mora, pode, de ofício, ajustar o contrato de alienação fiduciária aos termos da lei e do Código de Defesa do Consumidor, firme no princípio de que são de ordem pública as normas que disciplinam os contratos que consubstanciam relação de consumo (art 1º CDC). Neste sentido, são os precedentes do Superior Tribunal de Justiça (RESP nº 90162/RS, AGEDAG 151689/RS e AGRG 506.650/RS).

Com essas considerações, temos negado pedido de tutela antecipada para manutenção da posse do autor de ação revisional sobre o bem financiado. A propósito do tema, o Fórum dos Juízes das Varas Cíveis de Pernambuco emitiu o Enunciado n. 26, de teor seguinte:

“O simples ajuizamento de uma ação ordinária de revisão do contrato de alienação fiduciária não tem o condão de impedir o curso normal da ação de busca e apreensão, com a liminar correspondente”.

Ressalte-se que, mesmo que se trate de ação consignatória (e não ação revisional), o ajuizamento dela também não prejudica liminar em ação de busca e apreensão. O devedor pode até tentar através desse tipo de ação evitar a perda da posse do bem alienado fiduciariamente, mas o deferimento inicial (pelo Juiz) do depósito das parcelas vencidas não implica na eliminação da mora, não tornando, portanto, inviável a liminar de busca e apreensão (no outro processo).

Na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça encontramos indicativos de que essa Corte tentou inicialmente resolver esse problema pelo critério temporal, isto é, a prévia distribuição de uma ou outra ação prejudicaria o pedido na subseqüente. Ajuizada previamente a consignatória, com o depósito das parcelas na forma pretendida pelo autor, não se poderia deferir liminar na ação de busca e apreensão que se lhe seguisse. Representa essa corrente acórdão da lavra do eminente Ministro Ruy Rosado de Aguiar, assim ementado:

“Ajuizada ação consignatória antes de intentada a ação de busca e apreensão, com depósito das prestações consideradas devidas, não cabe deferir medida liminar de busca e apreensão” (Resp 489564-DF, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, ac. j. 17.06.03, DJ 25.08.03).

Já em outro julgado encontramos o argumento, também utilizado para obstar a liminar na busca e apreensão, de que a comprovação da mora ou inadimplemento fica “na dependência do julgamento da ação de consignação em pagamento”, o que justifica a suspensão do primeiro processo até que este último seja concluído (REsp 346240-SC, rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 04.11.02).

Ambos os julgados, todavia, não expressam o melhor entendimento sobre o tema. Primeiramente porque não se trata apenas de uma questão temporal, de definir qual das ações precedeu à outra. Se fosse assim, quem quisesse evitar a perda da posse de bem alienado fiduciariamente bastaria ajuizar uma ação consignatória, depositando valores a seu exclusivo critério.

Por outro lado, o simples ato de depósito das prestações não significa pagamento. A eficácia de pagamento fica a depender do juízo posterior que o julgador faz a respeito do montante devido. É com a manifestação judicial sobre a causa que se produzem os efeitos próprios de pagamento; antes disso o que se tem é mero ato unilateral do depositante. A eficácia de pagamento, repita-se, decorre da sentença, e não do simples depósito. Assim concebida a questão, vê-se que a definição do direito na busca e apreensão não tem que esperar o julgamento da consignatória, não ficando obstaculizado o deferimento da liminar nem suspenso aquele processo. Nesse sentido, trago a exame julgado do STJ que expressa esse entendimento:

“Alienação fiduciária. Busca e apreensão. Consignação. O ajuizamento de ação consignatória não conduz, necessariamente, a que fique impossibilitado o deferimento liminar da busca e apreensão (STJ-3a. Turma, REsp 221903-RS, rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 30.09.99, DJ 07.02.00).

Ao sustentar seu posicionamento, o relator destacou que a consignatória não impede o processamento (inclusive com o deferimento liminar) da busca e apreensão porque o depósito (feito naquela primeira ação) não tem eficácia de pagamento. Disse ele:

“Enquanto não houver sentença, com trânsito em julgado, declarando que o depósito efetuado satisfaz o que seria exigível, aquele terá sido apenas um ato unilateral do devedor. Dele não se pode concluir esteja a mora afastada. Assim fosse, bastava efetuar um depósito qualquer para impedir a ação do credor”.

Um outro argumento pode ser somado à tese de que a consignatória, ainda que ajuizada previamente, não impede o prosseguimento da busca e apreensão (e sua liminar). Com efeito, entendimento em contrário consiste em retirar a utilidade desta ação, tornar inócuo o procedimento que o sistema jurídico conferiu ao credor fiduciário para a retomada imediata do bem. Sem poder utilizar-se do procedimento específico que a lei lhe confere, na prática o próprio direito de ação resta prejudicado:

“CIVIL/PROCESSUAL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. BUSCA E APREENSÃO.  CONSIGNATÓRIA.

A ação fiduciária se desenvolve a partir da efetivação da busca e apreensão, liminarmente deferida, a partir da prova da mora do devedor alienante, pelos meios previstos na lei.

Ação consignatória em pagamento, proposta pelo devedor em mora, não tem a virtualidade de impedir que se efetive a busca e apreensão do bem alienado, começo de execução do contrato, sem contrariar o art. 3o. do Decreto-lei 911/69, que institui o devido processo legal para a espécie” (REsp n. 13.959/SP, rel. Min. Dias Trindade, DJ de 02.12.91).

Sobre o tema, o Fórum dos Juízes das Varas Cíveis de Pernambuco emitiu o Enunciado n. 28, com a seguinte redação:

“O ajuizamento de ação consignatória não conduz, necessariamente, a que fique impossibilitado o deferimento liminar da busca e apreensão” (maioria)

 7. Valor da causa na ação revisional

O valor da causa em ação de revisão de contrato bancário deve corresponder ao valor do próprio contrato, nos termos do art. 259, V, do CPC, ou deve representar o benefício econômico que o autor espera obter? Se deve equivaler ao benefício econômico, como quantificá-lo nos casos e que o autor não fornece meios para se identificar o valor real da demanda, o resultado econômico que espera alcançar? Como se exigir do autor a definição de valor real da causa quando alega que, somente depois de ser revisado o contrato e expungido dele a cobrança de encargos abusivos – o que exige inclusive a realização de perícia técnica – é que terá condições de definir com precisão o conteúdo econômico da lide?

É preciso se oferecer correta interpretação à regra do inc. V do art. 259, do CPC, no sentido de que supõe que o litígio envolva o negócio jurídico por inteiro, não se devendo exigir, como valor da causa, o preço total do contrato em demandas onde não se pede a execução da totalidade do contrato. Por oportuno, transcrevo ementas de alguns julgados que esposam esse entendimento:

“A modificação a que alude o inciso V do art. 259 do CPC, que determina haja correspondência entre o valor da causa e o do contrato, só pode ser entendida como aquela que atinja o negócio jurídico em sua essência, e não apenas algumas de suas cláusulas, pois, do contrário, o valor da causa acabaria superando o real conteúdo econômico da demanda, o que não é admissível (STJ, 3ª Turma, Resp. 129.835-RS, rel. Min. Costa Leite, j. 26.5.98, DJU 3.8.98, p. 222).

“Quando a controvérsia não açambarca o contrato por inteiro, mas apenas um dos seus itens, aplica-se o art. 260, do CPC, e não o art. 259, V, do mesmo diploma legal” (Resp. 67.765, 1ª Turma, DJU 8.12.95).

A ação em que o autor pede a revisão de um contrato bancário não envolve o contrato por inteiro, referindo-se apenas a determinadas obrigações, dentre outras estipuladas, daí porque não pode o valor da causa corresponder ao valor global da avença. Nesse tipo de ação, o valor da causa deve equivaler à diferença entre o valor exigido pelo banco e aquele que o autor entende como devido. Nesse sentido:

“VALOR DA CAUSA. Ação de revisão de contrato bancário. O valor da ação de revisão de contrato que conteria cláusulas abusivas deve corresponder à diferença que o autor pretende abater do total exigido pelo credor. Recurso conhecido e provido, para afastar como valor da causa a quantia que o banco apurou como sendo o valor do débito” (STJ-4a. Turma, REsp 450631-RJ, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 05.12.02, DJ 10.02.03)

Essa jurisprudência acima transcrita, no entanto, tem aplicação para as hipóteses de ação revisional de contrato em que o autor, de logo, fornece os parâmetros para definição do conteúdo econômico da demanda. Em alguns casos, ocorre de o autor juntar uma perícia contábil sobre os cálculos da dívida, realizada por expert que ele mesmo contrata, já com a inicial. Nessas hipóteses, pode indicar o valor que entende como devido, e a diferença entre este e o valor cobrado pelo banco é que deve ser tomado como valor da causa, pois corresponde ao benefício econômico que espera almejar com o ajuizamento da demanda. Em outras situações, no entanto, o consumidor-autor vem a juízo reclamar a revisão do contrato bancário pura e simplesmente, sem qualquer elemento inicial ou parâmetro de redução da dívida, cuja definição fica a depender da conclusão do processo de revisão (às vezes com necessidade de realização de perícia técnica por perito do juízo). Nessas hipóteses, alega não poder determinar no limiar do processo o exato conteúdo econômico da demanda, e indica valor ínfimo para fins “meramente fiscais”, como valor da causa.

Não se deve permitir, no entanto, que o autor de ação de revisão de contrato bancário deixe de fornecer valor da causa correspondente ao benefício econômico que espera obter, porquanto à toda causa deve ser atribuído um valor certo, conforme preceitua o art. 258 do CPC. Para traduzir a realidade do pedido, necessário que corresponda à importância perseguida.

A ação de revisão de contrato bancário não se assemelha àquelas causas em que é impossível para o autor fixar, desde logo, no início da demanda, o valor exato que corresponda à tutela pretendida. Em causas em que não se pode determinar antecipadamente o benefício econômico perseguido, é lícito permitir que o autor complemente o valor das custa ao final, quando já estabelecido na sentença a definição do real conteúdo econômico da demanda. É a hipótese, por exemplo, das ações que envolvem discussão sobre dano moral, onde o autor não tem como fixar o valor exato que corresponda à tutela pretendida, até porque a indenização, nesses casos, é arbitrada pelo juiz, segundo seu prudente arbítrio. Assim, nada impede que o autor atribua outro valor, mesmo diferente do que entende lhe ser devido[3], pois pode ao final complementar as custas, se vencido, ou estas serem suportadas pelo réu no montante global, depois de indicada na sentença o valor da indenização.

Na ação de indenização por dano moral puro, realmente, ao autor pode ser concedido o benefício de indicar um valor da causa provisório, pela razão de que a fixação do quantum indenizatório só depende do Juiz.

A definição do valor do dano moral, conforme estabelecido pela doutrina e jurisprudência, fica ao exclusivo arbítrio do Juiz, que se serve apenas de alguns parâmetros para essa definição. O autor de ação de dano moral, por essa razão, não está obrigado a indicar o quantum do dano moral em relação ao qual espera ser indenizado, podendo dar à causa valor simbólico. Não tem meios para definir antecipadamente o conteúdo econômico da demanda, até porque este pode variar muito dependendo das convicções pessoais do Juiz.

Já o autor de ação de revisão de contrato bancário, ao contrário da situação acima explicada, tem perfeitas condições para expressar antecipadamente o real valor econômico da demanda.

Como está obrigado a identificar previamente as cláusulas que entende nulas[4], e quanto isso representa em termos de diminuição dos encargos da dívida, tem meios para, sem maiores esforços, determinar a expressão econômica da demanda, o valor que pretende ver reduzido da dívida. Diferentemente da ação em que se pede indenização por dano moral, o devedor tem que de alguma maneira suprir o processo com indicativos da plausibilidade do direito invocado, o que geralmente se faz por meio da entrega de uma planilha ou memória discriminada de cálculo, contendo a evolução da dívida, os critérios de correção e índices adotados, de modo a chegar ao valor devido. É com base nessa planilha ou esboço de cálculo, demonstrativa da tese jurídica, que o devedor tem possibilidades de extrair o significado econômico da lide, ao qual corresponde o valor da causa.

Se a parte autora de uma ação revisional não indica o benefício econômico exato que espera obter com o julgamento, então, o valor da causa, para efeito de custas, deve ser o do preço integral do contrato.

Até para fins de política judiciária, não se deve permitir que o devedor indique um valor simbólico, como valor da causa. Não se deve admitir que o autor recolha valor ínfimo a título de custas judiciais para, só depois de fixado na sentença o acertamento econômico do contrato, se exigir da parte vencida o pagamento das custas pelo total, tomando-se por base eventual valor de redução da dívida. Isso dá margem a evasão de tributos

– a taxa judiciária tem natureza tributária -, pois a prática demonstra que, quase sempre, os juízes não tomam o cuidado de verificar obrigação de complementação das custas em fase ulterior do processo. Além disso, é no início do processamento da causa que a parte se vê mais premida a pagar custas, pois sem o pagamento antecipado o feito não é processado e ela não recebe a tutela jurisdicional (muitas vezes liminar para retirada de seu nome de cadastro negativo). Por essas razões, não se deve permitir que o autor de uma ação revisional indique, como valor da causa, quantia simbólica, devendo o Juiz, em ocorrendo tal hipótese, determinar que complemente as custas pela importância equivalente ao valor integral do contrato.

8. Impossibilidade de revisão de contratos anteriores no âmbito dos embargos do devedor

É certo que, havendo confissão de dívida ou renegociação contratual, o novo contrato não fica indene (no que tange à sua validade) à apreciação judicial, nem tampouco os contratos anteriores dos quais resultou a dívida no último estágio. Na hipótese de relação financeira continuativa, que se processa através de contratos encadeados, resultando em confissão de dívida na qual se confirma cláusulas e condições anteriores, a investigação judicial abrange a relação como um todo. Essa possibilidade inclusive já consta da Súmula do STJ, verbete 286, de teor seguinte: “A renegociação de contrato bancário ou a confissão da dívida não impede a possibilidade de discussão sobre eventuais ilegalidades dos contratos anteriores”.

É de se notar, no entanto, que o exame de forma retroativa (incidente sobre os contratos originários) somente pode ser viabilizado em sede de ação revisional. Diga-se, aliás, que os precedentes jurisprudenciais que deram origem à citada súmula destacam bem isso, como demonstram os arestos abaixo transcritos em ementa:

CONTRATOS BANCÁRIOS. AÇÃO REVISIONAL. REVISÃO DE CONTRATOS CUMPRIDOS. POSSIBILIDADE.

I – “A renegociação de contrato bancário ou a confissão da dívida não impede a possibilidade de discussão sobre eventuais ilegalidades dos contratos anteriores” (Súmula 286/STJ).

II  –  Agravo regimental desprovido AgRg no Ag 562350 / RS, rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, j. 19.05.05, DJ 13.06.05 .

PROCESSO CIVIL – RECURSO ESPECIAL – AGRAVO REGIMENTAL – CONTRATO BANCÁRIO – AÇÃO REVISIONAL – NOVAÇÃO – REVISÃO DOS CONTRATOS ANTERIORES – POSSIBILIDADE  – DESPROVIMENTO.

1 – A Eg. Segunda Seção desta Corte já pacificou o entendimento no sentido de que, na ação revisional de negócios bancários, é possível a discussão a respeito de contratos anteriores, ainda que tenham sido objeto de novação. Precedentes (REsp nºs 332.832/RS, 470.806/RS e AgRg Ag 571.009/RS).

2 – Agravo Regimental desprovido (STJ-4a. Turma, AgRg no REsp 537029 / RS, rel. Min. Jorge Scartezzini, j. 16.08.05, DJ 05.09.05.

A possibilidade de discussão de contratos anteriores, portanto, não impede que o detentor do título exeqüendo (o novo contrato) promova a execução deste. O devedor tem a faculdade de requerer a revisão de contratos que originaram o débito na sua versão renegociada, mas isso em nada interfere com o direito do credor, que, de posse de novo título, desde que perfaça os requisitos formais de executoriedade, pode promover a execução da dívida.

A dívida, consubstanciada em contrato, assinado por duas testemunhas, perfaz as características de liquidez e certeza exigidas em lei de modo a propiciar o processo executivo (art. 585, II, CPC). Desde que a versão renegociada dela se faça por meio de título que ofereça todos os elementos para que se possa aferir a liquidez e certeza do débito, sem haver necessidade de apuração de fatos ou qualquer operação que somente possa ser alcançada através de um processo de conhecimento, o credor pode executá-la, sem que ao devedor fique assistido o direito de alegar sua desnaturação com base em eventuais ilegalidades inseridas nos contratos primitivos. O termo de renegociação ou confissão da dívida é título hábil para a execução, ainda que oriundo de contrato de abertura de crédito em conta corrente:

“Direito processual civil. Agravo no agravo de instrumento. Recurso especial. Embargos do devedor à execução. Confissão de dívida. Oriunda de contrato de abertura de crédito. Título extrajudicial.- A confissão de dívida é título hábil para a execução, ainda que oriundo de contrato de abertura de crédito, novado ou não, goza de plena liquidez, certeza e exigibilidade, constituindo-se, portanto, título executivo extrajudicial. Agravo não provido.” (STJ-3a Turma, AgRg nos EDcl no Ag 598767-MG, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 07.06.05, DJ 27.06.05)

No mesmo sentido: STJ-3a. Turma, REsp 578960-SC, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 07.10.04, DJ 08.11.04; STJ-3a. Turma, AgRg no Ag 589802-RJ, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 14.09.04, DJ 04.10.04.

Até que seja, em ação própria, desconstituída a validade do título, este fica valendo como instrumento suficiente à viabilidade de um processo executivo. E o devedor não pode se insurgir contra a cobrança, na via estreita dos embargos à execução, requerendo a revisão da dívida desde a sua origem, pois tal possibilidade somente é admissível através da via própria, que é a ação revisional de contratos bancários. Se, em eventual ação revisional for ordenada redução no valor da dívida garantida pelo título que está sendo executado, ao Juiz processante da execução caberá apenas adequá-la ao valor apurado como devido naquela outra ação:

“Processual civil. Execução de título extrajudicial. Ação revisional julgada procedente. Liquidez do título que embasou a execução.- Não retira a liquidez do título, possível julgamento de ação revisional do contrato originário, demandando-se, apenas, adequação da execução ao montante apurado na ação revisional. Recurso especial parcialmente provido. (STJ-3a. Turma, REsp 593220-RS, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 07.12.04, DJ 21.02.05)

9. Ajuizamento de ação revisional não suspende execução

Também tem sido muito comum, em tema de ação de revisão de contrato bancário, de o devedor requerer a suspensão da execução fundada no mesmo título, ao argumento de que depende da sentença de mérito naquela outra ação (de conhecimento). O pedido de suspensão é feito com base na regra do art. 265, IV, “a”, do CPC, que prevê a suspensão do processo quando a sentença de mérito “depender do julgamento de outra causa, ou da declaração da existência ou inexistência de relação jurídica, que constitua o objeto principal de outro processo pendente”. Em geral, o devedor alega que corre o risco de sofrer prejuízo irreparável ou de difícil reparação se excutidos os seus bens (na execução) antes de resolvida a questão da redução da dívida (ou mesmo sua completa extinção) na ação revisional.

Não se deve, todavia, concluir aprioristicamente pela necessidade de suspensão do curso da execução. Em primeiro lugar, é preciso atentar para a circunstância de que os casos de suspensão do processo de execução não são os mesmos do processo de conhecimento. O art. 791 do CPC, que trata das hipóteses específicas de suspensão da execução, não previu, dentre as situações que ali enumera, a existência de causa conexa pendente de julgamento. O inc. II do art. 791 repete algumas das hipóteses do art. 265 (especificamente os seus incisos I a III), mas excluiu o inc. IV deste último artigo – a alínea “a” do inc. IV do art. 265, é que prevê a suspensão do processo de conhecimento quando a sentença “depender do julgamento de outra causa…”. Ora, ao não repetir a previsão do inc. IV do 265, o legislador fez uma intencional opção pelo afastamento da suspensão do processo de execução quando coexistentes outras ações relacionadas e pendentes de julgamento. “Isso significa que o processo de execução, em regra, não é suspenso pelo mero ajuizamento ou pendência de demandadas “paralelas”, que impugnem a validade ou a eficácia do título, ou a exigibilidade do crédito” (STJ-4a. Turma, REsp 10.293-PR, rel. Min. Athos Carneiro, j. 8.9.92, DJU 5.10.92).

Nesse assunto específico, não se pode buscar na regra da subsidiariedade (art. 598 do CPC)[5] fundamento para justificar a suspensão do processo executivo. O processo de execução possui norma específica prevendo as hipóteses em que se admite sua suspensão (art. 791). “Existindo norma específica no processo executivo, não se aplicam subsidiariamente normas do processo de conhecimento” (RSTJ 6/419). Mas o grande impedimento à suspensão do processo executivo (pelo motivo da concorrência de ações) não é somente o fato de possuir norma específica sobre a matéria, mas a circunstância, já realçada, de que o legislador, na enumeração que fez dos casos de suspensão (efetivada no art. 791), repetiu os incisos I a III do art. 265, mas parou até aí, não produzindo a mesma repetição em relação ao seu inc.  IV. O legislador, portanto, interferiu claramente no sentido de afastar peremptoriamente a concorrência de ações como motivo de suspensão do processo executivo.

Assim, ainda que se possa entender que o art. 791 não é exaustivo[6], e que outras hipóteses de suspensão podem ser admitidas no processo de execução[7], a existência de outras ações (que de alguma maneira tenham relação com o objeto da execução) não pode servir de motivo para a suspensão.

Não há motivo realmente para que seja sobrestado o regular curso da execução, ao contrário do que possa aparentar. É certo que, sendo dado provimento à ação ordinária de revisão, o devedor pode obter efeito liberatório da dívida (ou ao menos sua redução), daí que corre o risco de sofrer lesão patrimonial caso se permita a continuidade dos atos executórios, antes de resolvida a questão da revisão contratual. Essa argumentação, no entanto, só está aparentemente correta, pois o prosseguimento da execução não frustra de maneira absoluta eventual reconhecimento de direito (diminuição ou anulação da própria dívida) do devedor, em outro processo. A sentença final na ação revisional vai formar título executivo em favor do autor-devedor, o qual terá sempre a possibilidade de recuperar o que eventualmente pagar a mais na execução. Além do mais, paralisar uma execução logo no início poder trazer prejuízos maiores e de ordem inversa (para o credor). Os prejuízos decorrentes da obstrução do processo de execução para o credor são acentuadamente superiores àqueles alegados pelo devedor. Enquanto este se preservaria da possibilidade de alienação judicial antecipada de seus bens, o credor restaria sujeito à formação da prescrição[8], ao possível desfalque do patrimônio do devedor e à perda de eventual preferência pela primeira penhora, sem contar a demora em receber o que lhe é devido.

A paralisação de um processo de execução logo no início representaria, por via transversa, um impedimento ao direito constitucional de ação do exeqüente. A jurisprudência tem entendido que o devedor não pode impedir a parte contrária de ingressar em juízo com a ação ou execução que tiver contra ele (RSTJ 10/474, 12/418, JTA 105/156, RF 304/257), sob pena de cercear-lhe seu direito (do credor) de recorrer ao Judiciário, garantido pelo art. 5o., XXXV, da CF. Impedir que ele não ingresse com a execução ou que não a movimente, na prática, tem o mesmo efeito. Contando com a reconhecida morosidade da máquina judiciária, que pode demorar anos para oferecer um pronunciamento definitivo (inclusive com a possibilidade de a causa ascender às instâncias extraordinárias), na prática o resultado seria uma suspensão indefinida da execução.

Assim, o entendimento prevalecente deve ser o de que “o ajuizamento de ação buscando invalidar cláusulas de contratos com eficácia de título executivo, não impede que a respectiva ação de execução seja proposta e tenha curso normal. (STJ-4a. Turma, REsp 8859-RS, rel. Min. Athos Carneiro, j. 10.12.91, DJ 25.05.92). Se, em eventual ação revisional for ordenada redução no valor da dívida garantida pelo título que está sendo executado, ao Juiz processante da execução caberá apenas adequá-la ao valor apurado como devido naquela outra ação. “Não retira a liquidez do título possível julgamento de ação revisional do contrato originário, demandando-se, apenas, adequação da execução ao montante apurado na ação revisional” (STJ-3a. Turma, REsp 593220-RS, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 07.12.04, DJ 21.02.05).

O devedor terá sempre a possibilidade de embargar a execução, e os embargos, estes sim, produzem a suspensão do processo de execução (CPC, art. 791, I)[9]. Com a propositura dos embargos, surge também a conexão que implica na necessidade de reunião dos dois processos, para julgamento em conjunto. Julgados em conjunto os embargos e a ação revisional, não haverá risco de o devedor pagar mais do que deveria. A questão quanto a eventual redução da dívida é resolvida na mesma sentença que julga os embargos e a ação de revisão.

Na jurisprudência do STJ registra-se uma situação que tem justificado a suspensão do processo de execução, quando diante de outra ação revisional ou declaratória da inexigibilidade do título executivo. É quando ocorre de, por algum motivo, os juízes não providenciarem a reunião dos embargos à execução com a ação revisional (ou declaratória), para decisão conjunta. Pode-se constatar esse ponto de vista nas seguintes ementas:

“Havendo conexão e prejudicialidade entre os embargos do devedor e a ação declaratória, não tendo sido reunidos os feitos para julgamento em conjunto, recomendável a suspensão dos embargos até o julgamento da causa prejudicial, nos termos do art. 265, IV, ‘a’, CPC” (STJ-4a. Turma, Ag. 35.922-5-MG-AgRg, rel. Min. Sálvio de Figueiredo, j. 24.6.93, DJU 2.8.93).

“Processo de execução. Pendência de ação declaratória de inexigibilidade parcial do título executivo (exclusão da correção monetária em mútuo rural) e de embargos do devedor incidentais ao processo de execução do mesmo título. Procedimento aconselhável. Não tendo sido reunidos os processos em tempo hábil, e estando a ação declaratória pendente de julgamento no segundo grau de jurisdição, impõe-se no caso concreto a aplicação do disposto no art. 265, IV, ‘a’, do CPC, com a suspensão da ação incidental de embargos do devedor, mantido seu efeito suspensivo da execução” (STJ-4a. Turma, Resp 6.734-MG, rel. Min. Athos Carneiro, j. 31.10.91, DJU 2.12.91).

É imperioso observar, todavia, que o segundo aresto transcrito restringe a suspensão diante da iminência de julgamento da ação ordinária (“pendente de julgamento no segundo grau de jurisdição”). Mas, mesmo com a ressalva dessa circunstância, esse tipo de medida (suspensão) somente deve ser adotado com os olhos voltados para a economia processual. Ainda que possa parecer recomendável, a suspensão pode terminar causando prejuízos de ordem inversa ao credor-exeqüente, como já antes assinalamos. O julgamento do processo de conhecimento (ação de revisão), mesmo no segundo grau, pode consumir tempo exagerado, prejudicando o direito do credor (na execução) de ver o seu crédito atendido em tempo razoável. Assim, em determinadas situações, pode ser mais aconselhável não se trilhar o caminho da suspensão do processo (de execução). Ainda que a execução se conclua com a alienação de bens do devedor, com o pagamento da dívida originária, a ele sobrará sempre a possibilidade de ver formado título judicial em seu favor, com o julgamento posterior da revisional, para buscar, então, a diferença do que pagou a mais. Pelo menos o risco de prejuízo irreparável (para ele, executado) fica afastado, considerando-se a elevada solvabilidade das instituições financeiras. Em momento posterior, terá sempre a possibilidade de recuperar o que eventualmente pagar a mais no processo de execução.

A suspensão também não é adequada quando o devedor, em processo cautelar autônomo ou pedido cautelar nos próprios autos da ação revisional (na forma prevista no par. 7o. do art. 273, CPC), ou mesmo por meio de ação consignatória, requeira o depósito de parte da dívida. O depósito de valores a critério exclusivo do devedor, efetuado ao largo do leito da execução, não significa pagamento e, conseguintemente, não é suficiente para suspender seu curso normal. Mesmo numa consignatória, a eficácia de pagamento fica a depender do juízo posterior que o julgador faz a respeito do montante devido. É com a manifestação judicial sobre a causa que se produzem os efeitos próprios de pagamento; antes disso o que se tem é mero ato unilateral do depositante. A eficácia de pagamento, repita-se, decorre da sentença, e não do simples depósito[10]. Assim concebida a questão, vê-se que a definição do direito na execução não tem que esperar o julgamento da consignatória (ou de cautelar), não ficando suspenso aquele processo. A respaldar esse entendimento, acórdão do STJ, da relatoria do Min. Athos Carneiro Gusmão, portando a seguinte ementa:

“EXECUÇÃO E CONSIGNATÓRIA.

A circunstância de o devedor ajuizar ação de consignação em pagamento não impede o credor de pretender a execução. Eventuais embargos poderão ser decididos na mesma sentença da consignatória.

Não se pode, entretanto, obrigar o credor a aguardar o desfecho da ação de conhecimento para exercer sua pretensão executória.

Ao credor por título executivo assiste o direito à segurança do juízo, através da penhora, além da garantia constitucional do acesso pleno ao Judiciário.

Ilegalidade de decisão que, em ação cautelar, proíbe o credor de agir m juízo até a decisão da consignatória” (REsp 2.793, DJU 03.12.90).

A suspensão da execução, por meio de cautelar ou qualquer outro procedimento estranho aos embargos, mesmo que suplementada pelo depósito em forma de caução do valor da execução, importará sempre em ofensa ao princípio constitucional de acesso à tutela executiva do Estado, ainda quando limitada (a suspensão) ao marco temporal do julgamento da ação ordinária de revisão. É o que se extrai dos seguintes arestos:

“Processo civil. Cautelar. Sustação de procedimento judiciais. Ilegalidade.- Segundo tem assinalado este tribunal, o poder cautelar qual atribuído ao juiz não pode ser absoluto, de molde a inviabilizar o princípio constitucional de acesso à tutela executiva do Estado” (REsp 5.052, rel. Min. Sálvio de Figueiredo).

No mesmo sentido: REsp 2.819, rel. Min. Athos Carneiro, DJU 04.02.90.

“Recurso especial. Concessão de medida cautelar para impedir ao credor o exercício do direito de demanda. Contrariedade aos art. 566, I, do CPC, e 43 da Lei Uniforme. Violação à garantia constitucional da ação” (REsp 2.644, DJU 10.09.90).

De tudo se conclui que não se pode conferir liminar, em ação cautelar ou qualquer procedimento especial, para frustrar a exeqüibilidade ínsita do título de que o credor é legítimo beneficiário, direito que lhe é plenamente garantido pelo art. 580 e par. únic. do CPC.

10. Conexão da ação de revisão de contrato bancário com os embargos à execução

Embora possa haver conexão entre uma ação ordinária de revisão de contrato e uma execução, a conveniência da reunião dos processos fica a depender da existência dos embargos.

O art. 105 do CPC “não contém regra de competência, mas somente de direção processual” (RT 677131), no sentido de que deixa certa margem de discricionariedade para o juiz decidir pela conveniência (ou não) da reunião de processos conexos. O limite da conveniência será sempre a possibilidade de decisões contraditórias (RSTJ 112169). O julgamento conjunto de processos se impõe sempre que haja o risco de decisões contraditórias.

Entre uma ação ordinária e uma ação de execução originárias de um mesmo contrato pode existir risco de decisões conflitantes, entre a sentença a ser proferida na primeira e a sentença dos embargos opostos à execução. Se o processo de execução nem sempre comporta uma sentença, esta é sempre exigida quando esse tipo de ação vem a ser atacada por meio dos embargos do devedor – que é uma ação de cognição incidental ao processo de execução. A sentença dos embargos pode entrar em conflito com a da ação ordinária quando sejam exigidas soluções para questões comuns.

Assim, embora havendo conexão entre uma execução e uma ação ordinária originárias do mesmo contrato (RT 718163), só haverá risco de decisões conflitantes quando a primeira for embargada. A reunião dos processos somente se justificará nessa hipótese, porque aí nasce o risco de decisões conflitantes. Daí se explica a jurisprudência firmada pela 4a. Turma do STJ no sentido de que “o não oferecimento de embargos do devedor é obstáculo à reunião do processo de execução ao de ação ordinária que persegue a nulidade do título executivo” (STJ-4a. Turma, REsp 11.620-SP, rel. Min. Fontes de Alencar, j. 16.3.93, DJU 17.05.93).

A jurisprudência, realmente, já deixou assentado o entendimento de que a oposição dos embargos, na execução, faz nascer a conveniência para a reunião dos processos conexos, como demonstram os arestos abaixo ementados:

“EXECUÇÃO POR TITULO EXTRAJUDICIAL, CONTRATOS DE MÚTUO. AJUIZAMENTO DE AÇÃO DE “REVISÃO” DOS CONTRATOS. SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO. ALEGAÇÃO DE OFENSA AOS ARTIGOS 265, IV, A E 791, II, DO CPC.

O Ajuizamento de ação buscando invalidar cláusulas de contratos com eficácia de título executivo, não impede que a respectiva ação de execução seja proposta e tenha curso normal.

Opostos e recebidos embargos do devedor, e assim suspenso o processo de execução – CPC, art. 791, I – poder-se-ia cogitar da relação de conexão entre a ação de conhecimento e ação incidental ao processo executório, com a reunião de processos de ambas as ações, para instrução e julgamento conjuntos, no juízo prevalecente. Recurso especial não conhecido.” (STJ-4a. Turma, REsp 8859-RS, rel. Min. Athos Carneiro, j. 10.12.91, DJ 25.05.92

“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PROPOSITURA DE AÇÃO REVISIONAL. ULTERIOR OPOSIÇÃO DE EMBARGOS DO DEVEDOR À EXECUÇÃO MOVIDA COM LASTRO NO TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL CUJA REVISÃO SE REQUEREU. SENTENÇAS AINDA NÃO PROFERIDAS. CONEXÃO. EXISTÊNCIA. REUNIÃO DOS PROCESSOS. RAZÕES DE ORDEM PRÁTICA.

– Proposta ação de conhecimento pelo devedor onde se postula a revisão judicial de cláusulas constantes de título executivo extrajudicial, ou do contrato que o originou, e opostos, posteriormente, embargos do devedor à execução movida pelo credor com lastro no título executivo objeto da ação revisional, a identidade de partes e de pedido autoriza a reunião dos processos em consideração à carga de conexidade existente entre eles e por razões de ordem prática, desde que ambos ainda não tenham sido apreciados no primeiro grau de jurisdição. Precedentes. Recurso especial provido” (STJ-3a. Turma, REsp 514454-SP, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 02.09.03, DJ 20.10.03).

11. Conexão entre execução, ajuizada perante a Justiça Comum, e ação ordinária de revisão do contrato habitacional, junto à Justiça Federal

Qual procedimento a ser seguido diante da concorrência de um processo de execução hipotecária (e os respectivos embargos), aforado perante a Justiça Comum, com uma ação ordinária, de revisão do contrato de financiamento habitacional, esta tramitando perante a Justiça Federal? O Juiz estadual deve, reconhecendo conexão, remeter os autos da execução para a Justiça Federal? Mesmo que não reconheça a existência de conexão, a execução deve ser suspensa, por depender da sentença de mérito que será proferida naquela ação (ordinária de revisão), em obediência à regra do art. 265, VI, “a”, do CPC?

Essas são questões recorrentes quando se trata de decidir sobre o andamento desses dois tipos de ações, ajuizadas em ramos diferentes da Justiça. Para dar um exemplo de como isso pode acontecer na prática, relembramos que a Caixa Econômica Federal alienou parte de sua carteira habitacional para bancos privados, que passaram a executar os mutuários em situação de inadimplência junto à Justiça Comum. Ocorre que esses mutuários, nas mais das vezes, já tinham promovido (ou vêm a promover) ações de revisão do contrato habitacional na Justiça Federal. Esta é competente para a primeira ação (revisão), mas não para a segunda (execução). As ações, contudo, guardam estreita conexão entre si. Elas devem ser reunidas ou simplesmente suspensa a execução?

Evidentemente, não se pode negar a existência de conexão entre a execução (os embargos) e a ação ordinária que tramita na Justiça Federal, nessas hipóteses. Ambas decorrem de um mesmo contrato, ou seja, têm a mesma causa de pedir (art. 103). A jurisprudência já registrava haver conexão entre execução e ação ordinária originárias do mesmo contrato (RT 718/163). Mais recentemente, o STJ reafirmou esse entendimento, deixando claro a existência de conexão entre embargos do devedor e a ação em que pretende a “revisão judicial das cláusulas constantes do título executivo extrajudicial, ou do contrato que o originou” (STJ-3a. Turma, REsp 514.454-SP, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 09.09.03, DJU 20.10.03).

Essa realidade, no entanto, não gera a obrigatoriedade de remessa do processo de execução para a Justiça Federal, ainda quando este juízo haja despachado em primeiro lugar. A regra do art. 219 do CPC, que define a prevenção do juiz que despacha em primeiro lugar, refere-se à competência relativa dos órgãos jurisdicionais. Quando o caso é de conexão entre causas submetidas a juízes de diversa competência territorial (espécie de competência relativa), prevento é aquele em cujo processo ocorreu citação válida (art. 219). Já em se tratando de juízes de mesma competência territorial, prevalece a regra do art. 106, que considera prevento o que despacha em primeiro lugar. Em ambas as situações, pode haver reunião dos processos propostos em separado perante o juiz prevento, “a fim de que sejam decididas simultaneamente” (art. 105), evitando-se, dessa forma, a possibilidade de decisões contraditórias. Ambos os dispositivos (art. 106 e 219), no entanto, regulam a conexão em face da competência relativa (territorial). Melhor dizendo, ambos contêm regras de deslocação da competência territorial. A conexão entre causas submetidas a juízos em razão da competência absoluta deles não produz a reunião de processos. Isso porque a conexão não modifica a competência absoluta, mas tão-somente a relativa (em razão do valor ou território), nos termos do art. 102 do mesmo Código.

Se a ação ordinária tramita perante a Justiça Federal em razão de a Caixa Econômica Federal figurar no pólo passivo, para tal processo é competente esse ramos da Justiça em azão da sua competência absoluta, definida constitucionalmente (art. 109 da CF), que a reserva para todo tipo de ação em que a União, suas autarquias, empresas e fundações públicas sejam partes ou interessadas. Já o processo que tramita na Vara da Justiça Comum não pode ser abarcado na sua competência (da Justiça Federal), se não incluir nenhuma dessas pessoas.

A jurisprudência tem consagrado o entendimento de que, na hipótese de conexão de causas em que ambos os juízos são absolutamente incompetentes para julgar uma das demandas, não ocorre a reunião das ações, permanecendo elas em seu leito judicial original:

“AGRAVO. CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO ORDINÁRIA NA JUSTIÇA FEDERAL (UNIÃO ASSISTENTE) QUESTIONANDO A NULIDADE DE CONTRATO E MONITÓRIA NA JUSTIÇA ESTADUAL QUERENDO O CUMPRIMENTO DO MESMO. CONEXÃO. INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA. IMPOSSIBILIDADE DA REUNIÃO DOS PROCESSOS.

Somente os juízos determinados pelos critérios territorial ou objetivo em razão do valor da causa, chamada competência relativa, estão sujeitos à modificação de competência por conexão (art. 102, CPC).

A reunião dos processos por conexão, como forma excepcional de modificação de competência, só tem lugar quando as causas supostamente conexas estejam submetidas a juízos, em tese, competentes para o julgamento das duas demandas. Sendo a justiça federal absolutamente incompetente para julgar ação monitória entre particulares, não se permite, na hipótese, a modificação de competência por conexão (STJ-2a. Seção, AGRCC 35129/SC, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, j. 26.06.02, DJ 24.03.03)”.

Ainda:

COMPETENCIA. CONFLITO. JUIZOS FEDERAL E ESTADUAL. CONEXÃO. ANULATORIA PROPOSTA CONTRA BANCO CREDOR E ENTES FEDERAIS EM LITISCONSORCIO PERANTE A JUSTIÇA FEDERAL. EXECUÇÃO E EMBARGOS. COMPETENCIA ABSOLUTA. ART. 102, CPC. ART. 109, DA CONSTITUIÇÃO. PRECEDENTES.

I – Nos termos do art. 102, CPC, a competência prorrogável por conexão ou continência é somente a relativa.

II – A competência da Justiça Federal, fixada na Constituição, somente pode ser ampliada ou reduzida por emenda constitucional, contra ela não prevalecendo dispositivo legal hierarquicamente inferior.

III – Não há prorrogação da competência da Justiça Federal se em uma das causas conexas não participa ente federal (STJ-2a. Seção, CC 14460-PR, rel. Min. Sálvio de Figueiredo, ac. un., j. 14.02.96, DJ 18.03.96).

Como se vê, a competência cível da Justiça Federal não se prorroga, não atraindo causa submetida a outro juízo. A reunião de processos perante essa Justiça, em obediência ao princípio do privilégio de foro (da parte), só ocorre se, em relação ao outro processo aforado originariamente na Justiça estadual, a União (ou suas autarquias, fundações e empresas públicas) intervém no feito e demonstra seu interesse pela causa (nesse sentido: CC 12620-DF, rel. Ministro Demócrito Reinaldo, j. 04.04.95, DJ 15.05.95; CC 27627-RJ, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 24.10.01, DJ 04.02.02). A preferência da Justiça Federal para a reunião dos processos, de maneira a evitar decisões conflitantes, só pode ocorrer quando ela detém competência para ambas as ações, por figurar nelas um dos entes federais já mencionados ou quando um deles, embora não constando como parte originária no feito, vem depois manifestar seu interesse na causa.

A respeito do tema, já decidiu o Fórum dos Juízes das Varas Cíveis do Estado de Pernambuco:

“Enunciado 27 FVC-IMP: “A conexão entre execução, ajuizada perante a Justiça Comum, e ação ordinária de revisão do contrato habitacional, junto à Justiça Federal, não autoriza a reunião dos processos quando esta última não detém competência para julgar ambos” (unânime)”.

Concebido que a causa de competência (absoluta) da Justiça estadual não se transfere, por conexão, para a Justiça Federal, então deve-se concluir pela necessidade de suspensão do curso da execução, naquele juízo? A resposta é negativa. Não há motivo para que seja sobrestado o regular curso da execução.

O que se alega costumeiramente em favor da suspensão é que, em sendo dado provimento à ação ordinária proposta (na Justiça Federal), o título executado se torna ilíquido e incerto. Ainda se costuma ajuntar o argumento de que o devedor corre o risco de sofrer prejuízo irreparável, caso se permita a continuidade dos atos executórios, antes de resolvida a questão da revisão contratual (por sentença do juízo federal). Esse raciocínio tem respaldo em corrente jurisprudencial, confortada inclusive em decisões do próprio STJ, no sentido de que “não pode o agente financeiro prosseguir na execução extrajudicial enquanto pendente de julgamento a medida cautelar ou a ação principal em que se discute o critério a ser adotado no reajuste das prestações da casa própria” (1a. Turma, REsp 0017742-MG, rel. Min. Garcia Vieira, DJU 01.06.92; 3a. Turma, REsp 508944-DF, rel. Min. Pádua Ribeiro, j. 10.06.03, DJ 28.10.03). Essa argumentação, no entanto, só está aparentemente correta, pois o prosseguimento da execução não frustra necessariamente eventual reconhecimento de direito (diminuição ou anulação da própria dívida) do devedor, em outro processo. Além do mais, é preciso buscar a exata compreensão e sentido prático dessa jurisprudência, sob pena de trazer prejuízos de ordem processual para o credor.

Com efeito, não se deve paralisar a execução no início ou logo após garantido o juízo pela penhora. Deve-se deixá-la prosseguir até fase que represente, aí sim, uma possibilidade de dano irreparável, e tal só acontece quando está ela pronta para a realização do leilão. É com o ato do leilão e a emissão da carta de arrematação que se ultima o processo de adjudicação do bem ao agente do sistema financeiro ou da transferência a terceiro. Nessa fase final do procedimento pode ser enxergado risco ao direito do executado sobre o imóvel; não antes. É razoável que o mutuário requeira a suspensão da realização do leilão ou a emissão da carta de arrematação, porque, uma vez transferida a titularidade do bem imóvel objeto da execução hipotecária, seria ineficaz eventual reconhecimento de direito na conexa ação revisional. O que não parece lógico é paralisar uma execução no seu nascedouro, até que decisão em outra causa seja proferida, porque isso representaria a possibilidade de maiores prejuízos à outra parte. Contando com a reconhecida morosidade da máquina judiciária, que pode demorar anos para oferecer um pronunciamento definitivo (inclusive com a possibilidade de a causa ascender às instâncias extraordinárias), na prática o resultado seria uma suspensão indefinida da execução.

A paralisação de um processo de execução logo no início representaria, por via transversa, um impedimento ao direito constitucional de ação do exeqüente. A jurisprudência tem entendido que o devedor não pode impedir a parte contrária de ingressar em juízo com a ação ou execução que tiver contra ele (RSTJ 10/474, 12/418, JTA 105/156, RF 304/257), sob pena de cercear-lhe seu direito (do credor) de recorrer ao Judiciário, garantido pelo art. 5o., XXXV, da CF. Impedir que ele não ingresse com a execução ou que não a movimente, na prática, tem o mesmo efeito.

Deixar, portanto, para decidir sobre eventual suspensão da execução somente na fase dos procedimentos finais (simplesmente suspendendo-se a emissão da carta de arrematação), é medida que traz menos prejuízos e é compatível com o próprio espírito da Lei 5.741/71.

12. Conclusões:

1a. O Juiz não deve conhecer, nas ações de revisão de contrato bancário, de pedido de repetição de indébito ou qualquer outro que implique em acertamento econômico do contrato, cumulado com o pedido de declaração de nulidade de cláusulas contratuais. A definição do quantum debeatur deve ficar para fase pré-executória, de liquidação de sentença, ou mesmo com a apresentação do cálculo aritmético que o exeqüente do crédito eventual deverá elaborar junto com a inicial de sua execução, em forma de planilha contendo memória discriminada e atualizada do cálculo, que deverá observar e tomar por base os parâmetros já definidos na sentença do processo de conhecimento.

2a. O autor de ação de revisão não pode deixar de juntar cópia do contrato bancário cuja revisão pretende, sob pena de a inicial ser considerada inepta, por falta de causa de pedir. Além de instruir a petição com a cópia do contrato, deve o autor apontar uma a uma as cláusulas que entende abusivas, juntando, quando for o caso, demonstrativo da evolução da dívida e da efetiva ocorrência de práticas ilegais, sob pena de  indeferimento.

3a. Não cabe pedido de tutela antecipada, em ação de revisão, para compelir banco a trazer aos autos cópia do contrato bancário firmado com o autor. Tal providência há de ser requerida em processo próprio, de natureza cautelar, preparatório à ação de revisão. A juntada do contrato com a inicial é pressuposto da ação de revisão e dela depende a verificação da causa de pedir e a própria formulação do pedido.

4. Não deve ser admitida a concessão de liminar para retirar o registro no sistema de proteção ao crédito do nome do devedor, ao só argumento de que o simples ajuizamento de uma ação revisional já torna a dívida discutível. É preciso que o pagamento da dívida esteja garantido, demonstrando a boa-fé do devedor e sua real intenção quanto ao cumprimento da prestação. Além do depósito da quantia sobre a qual não há controvérsia, é indispensável que o autor demonstre que a sua negativa quanto à cobrança da parcela controversa se funda na aparência do bom direito ou em jurisprudência consolidada.

5a. O simples ajuizamento de uma ordinária de revisão não tem o condão de impedir o curso normal da ação de busca e apreensão, com a liminar correspondente, certo que houve a necessária constituição em mora. O procedimento executivo lato sensu do Dec. Lei 911/66 não pode ser sobrestado pela mera propositura de ação ordinária. Eventuais abusos e ilegalidades na cobrança de juros e outras taxas contratuais podem ser reprimidos pelo Juiz no próprio procedimento da busca e apreensão, sabendo-se que ele tem o poder de, ao autorizar a purga da mora, ajustar o contrato aos termos da lei, definindo os parâmetros para elaboração do cálculo.

6a. O valor da causa na ação de revisão de contrato bancário deve corresponder à diferença entre o valor cobrado pelo banco e aquele que o autor entende como devido, salvo se o devedor não indicar o benefício econômico que pretende com a revisão, caso em que o valor, para efeito das custas judiciárias, deve equivaler ao valor integral do contrato.

7a. A renegociação de contrato bancário ou a confissão da dívida não impede a possibilidade de discussão sobre eventuais ilegalidades dos contratos anteriores, mas o reexame de forma retroativa (incidente sobre os contratos originários) somente pode ser viabilizado em sede de ação revisional, nunca no âmbito de embargos à execução do título executivo resultante da versão renegociada ou confessada da dívida.

8a. O ajuizamento de ação revisional de contrato bancário não impede que a respectiva ação de execução seja proposta e tenha curso normal. O art. 791 do CPC, que trata das hipóteses específicas de suspensão da execução, não previu, dentre as situações que ali enumera, a existência de causa conexa pendente de julgamento. Além disso, a paralisação de um processo de execução logo no início representa, por via transversa, um impedimento ao direito constitucional de ação do exeqüente.

9a. Existe conexão entre ação de revisão e a execução quando decorram do mesmo contrato, mas a necessidade de reunião dos processos vai depender da existência dos embargos do devedor, quando ficar evidenciada a possibilidade de sentenças conflitantes.

10a. A conexão entre execução, ajuizada perante a Justiça Comum, e ação ordinária de revisão do contrato habitacional, junto à Justiça Federal, não autoriza a reunião dos processos quando esta última não detém competência para julgar ambos. Não é o caso também de se suspender a execução que corre no juízo estadual, pois o prosseguimento dela não frustra necessariamente eventual reconhecimento de direito (diminuição ou anulação da própria dívida) do devedor, naquele outro processo (de revisão).


[1] Enunciado 34 do Fórum dos Juízes das Varas Cíveis de Pernambuco.

[2] Nesse sentido foi editado o Enunciado n. 11 do Fórum dos Juízes das Varas Cíveis, criado pelo Instituto dos Magistrados de PE, de seguinte teor: “”Na ação de busca e apreensão (Dec. Lei nº 911/69), o juiz, ao autorizar a purgação da mora, pode, de ofício, ajustar o contrato aos termos da lei, definindo os parâmetros para elaboração do cálculo” (unânime).

[3] O seguinte aresto confirma esse entendimento: “Objetivando-se a reparação por danos morais, só fixado o ‘quantum’ se procedente a ação, ao final, lícita a estimativa feita pelo autor, posto que de caráter provisório, podendo ser modificada quando da prolação da decisão de mérito” (JTJ 203/241).

[4]“A petição da ação de revisão deve ser instruída com cópia do contrato bancário, devendo o autor apontar uma a uma as cláusulas que entende abusivas, juntando, quando for o caso, demonstrativo da evolução da dívida e da efetiva ocorrência de práticas ilegais, sob pena de ser indeferida” (Enunciado n. 34 do Fórum dos Juízes das Varas Cíveis de Pernambuco)

[5] O art. 598 do CPC manda aplicar subsidiariamente ao processo de execução as disposições que regem o processo de conhecimento.

[6] No sentido de que não é exaustivo o elenco das causas de suspensão constantes do art. 791: RT 482/272. Em sentido contrário: Amagis 12/85.

[7] É o caso, por exemplo, de suspensão da execução quando o devedor não é encontrado. Essa hipótese não está prevista expressamente no art. 791, mas a jurisprudência a tem admitido (STJ-3a. Turma, REsp 2.329-SP, rel. Min. Gueiros Leite, DJU 24.9.90).

[8] Pelo menos na hipótese de suspensão do processo por falta de bens a penhorar (inc. III do art. 791), a jurisprudência se divide sobre se prescrição corre durante esse período. No sentido de que a prescrição não tem curso durante o prazo em que a execução se acha suspensa: STJ-4a. Turma, REsp 38.399-4-PR, rel. Min. Barros Monteiro, DJU 2.5.94). Em sentido contrário: RSTJ 82/177). Especificamente sobre execução fiscal, o Superior Tribunal de Justiça editou recentemente a sua súmula 314, de seguinte teor: “Em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual se inicia o prazo da prescrição qüinqüenal intercorrente”.

[9] Se recebidos com efeito suspensivo, nas hipóteses em que o prosseguimento da execução puder causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação – art. 739-A, § 1º.

[10] Nesse sentido, voto do Min. Eduardo Ribeiro no julgamento do REsp 221903-RS, 3a. Turma do STJ, j. 30.09.99, DJ 07.02.00), do qual se destaca o seguinte trecho: “Enquanto não houver sentença, com trânsito em julgado, declarando que o depósito efetuado satisfaz o que seria exigível, aquele terá sido apenas um ato unilateral do devedor. Dele não se pode concluir esteja a mora afastada. Assim fosse, bastava efetuar um depósito qualquer para impedir a ação do credor”.